
Foto: Divulgação
Baseado no premiado romance de Colson Whitehead, “O Reformatório Nickel” (Nickel Boys) é um dos filmes mais desafiadores e inovadores do Oscar 2025. Dirigido por RaMell Ross, o longa não se limita a contar uma história de opressão racial nos Estados Unidos dos anos 1960, mas nos força a encará-la de forma visceral.
Com um estilo visual que mistura realismo brutal e abstração poética, o filme resgata os horrores da Dozier School for Boys, um reformatório real que serviu como palco de abusos sistemáticos contra jovens negros. A narrativa segue os passos de Elwood (Ethan Herisse) e Turner (Brandon Wilson), dois internos da fictícia Nickel Academy, revelando a luta entre fé e ceticismo, esperança e desilusão.
O grande diferencial de “O Reformatório Nickel” está na forma como Ross manipula a câmera e a montagem para provocar no espectador uma experiência sensorial e subjetiva. Alternando entre o ponto de vista dos protagonistas e momentos de distanciamento quase documental, o filme desafia convenções narrativas e convida à reflexão sobre como a violência racial molda o passado e o presente dos Estados Unidos.
Sinopse do filme O Reformatório Nickel (2024)
Nos anos 1960, Elwood Curtis é um jovem promissor que vive em Tallahassee, Flórida, criado pela avó Hattie (Aunjanue Ellis-Taylor). Inspirado pelos discursos de Martin Luther King Jr., ele sonha em entrar na faculdade e se tornar um agente de mudança na luta pelos direitos civis. No entanto, um erro judicial muda radicalmente seu destino: injustamente acusado de roubo, Elwood é enviado à Nickel Academy, um reformatório para jovens infratores.
Na instituição, ele conhece Turner, um garoto mais cínico e pragmático, que logo se torna seu amigo e lhe ensina as regras não ditas de sobrevivência no lugar. À medida que testemunham as atrocidades cometidas pelos responsáveis da academia – torturas, espancamentos e abusos –, os dois desenvolvem uma amizade marcada por visões de mundo contrastantes. Enquanto Elwood insiste na ideia de que a justiça prevalecerá, Turner acredita que o único caminho é a desconfiança e a resistência silenciosa.
O filme intercala a história da juventude de Elwood com sua vida adulta em Nova York, décadas depois. As cicatrizes do passado ainda o assombram, principalmente quando descobre que corpos não identificados estão sendo exumados nos terrenos da Nickel Academy, trazendo à tona verdades que por muito tempo foram enterradas.
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Crítica de O Reformatório Nickel (Nickel Boys), do Prime Video
Diferente de dramas convencionais sobre racismo e injustiça, “O Reformatório Nickel” não se limita a expor a violência de forma gráfica. Em vez disso, RaMell Ross adota um estilo subjetivo e fragmentado, utilizando a câmera em primeira pessoa para criar uma sensação de imersão e testemunho.
Esse recurso estilístico causa um estranhamento inicial, já que o rosto de Elwood é ocultado por grande parte do filme. Esse anonimato forçado não apenas amplia a identificação do espectador com o protagonista, mas também sugere que Elwood poderia ser qualquer jovem negro da época, vítima de um sistema brutal e impessoal.
Ross também intercala imagens documentais e oníricas, rompendo a fluidez narrativa para forçar o público a refletir. Em momentos cruciais, o filme se afasta dos personagens e nos apresenta cenas aparentemente desconexas – como o lançamento da Apollo 8 ou registros históricos do movimento dos direitos civis –, estabelecendo paralelos entre o avanço tecnológico dos EUA e a sua estagnação moral no que diz respeito à igualdade racial.
Fé versus realismo brutal
A relação entre Elwood e Turner é o coração do filme, funcionando como um embate entre esperança e desilusão. Elwood acredita no discurso de Martin Luther King Jr., na transformação social e na importância de seguir as regras, mesmo dentro de um sistema falho. Turner, por outro lado, já aprendeu que os fracos não sobrevivem e que confiar na justiça é uma ilusão.
Os atores Ethan Herisse e Brandon Wilson entregam atuações intensas e contidas, transmitindo emoções profundas mesmo nas cenas mais silenciosas. A forma como a amizade entre eles se desenvolve – entre o companheirismo e o choque de ideologias – torna ainda mais dolorosa a reviravolta final.
Impacto da narrativa não-linear
O longa rompe com a linearidade clássica ao misturar passado e presente, estabelecendo um jogo narrativo que só se completa no desfecho. A cena da fuga de Elwood e Turner, por exemplo, é montada de forma a manter o espectador no escuro até o último momento, tornando o impacto da revelação final ainda mais devastador.
Ao contrário de outros filmes sobre racismo que optam por cenas de violência explícita, “O Reformatório Nickel” aposta na sugestão, utilizando som, iluminação e enquadramentos para comunicar o horror sem explorá-lo de forma apelativa. Isso o aproxima do cinema de Jordan Peele, que também constrói tensão psicológica sem recorrer ao choque visual.
Final amargo e inesquecível
O desfecho de “O Reformatório Nickel” é um golpe no espectador. A revelação sobre a verdadeira identidade de Elwood no futuro recontextualiza toda a narrativa, transformando a história de um jovem injustiçado na de um sobrevivente que carrega não apenas suas cicatrizes, mas também o peso de uma identidade que nunca foi sua.
O filme termina sem oferecer respostas fáceis. Elwood/Trevor segue em frente, mas a pergunta que paira é: quantos outros Elwoods nunca tiveram essa chance? Quantos ainda seguem desconhecidos, soterrados sob a história oficial que prefere esquecê-los?
Conclusão
Com duas indicações ao Oscar 2025, “O Reformatório Nickel” é um dos filmes mais importantes e inovadores do ano. RaMell Ross transforma o livro de Colson Whitehead em uma experiência visual única, misturando realismo e abstração para contar uma história que não pode e não deve ser ignorada.
Mesmo sendo ambientado nos Estados Unidos, o longa dialoga fortemente com a realidade brasileira, trazendo ecos de injustiças históricas e do racismo estrutural que atravessa gerações. A ausência do filme nos cinemas brasileiros, sendo lançado diretamente no Prime Video, apenas reforça a necessidade de amplificar sua voz e garantir que sua mensagem alcance o maior número possível de pessoas.
Ao final, “O Reformatório Nickel” não é apenas um filme sobre o passado – é um lembrete urgente do presente. Quantas histórias como essa ainda estão esperando para serem contadas?
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Onde assistir ao filme O Reformatório Nickel (Nickel Boys)?
O filme está disponível para assistir no Prime Video.
Trailer de O Reformatório Nickel (2024)
Elenco de O Reformatório Nickel, do Prime Video
- Ethan Herisse
- Brandon Wilson
- Aunjanue Ellis-Taylor
- Ethan Cole Sharp
- Sam Malone
- Najah Bradley
- Jase Stidwell
- Legacy Jones
Ficha técnica do filme O Reformatório Nickel (Nickel Boys)
- Direção: RaMell Ross
- Roteiro: RaMell Ross, Joslyn Barnes, Colson Whitehead
- Gênero: drama
- País: Estados Unidos
- Duração: 140 minutos
- Classificação: 16 anos