O filme “1978”, dos irmãos argentinos Luciano e Nicolás Onetti, chegou ao catálogo da Max prometendo chocar. Ambientado durante um dos períodos mais sombrios da história da Argentina, o longa flerta com o terror real e o sobrenatural, construindo uma atmosfera carregada de tensão política e violência gráfica. Com uma estética cuidadosamente desenhada e um início promissor, o longa parecia disposto a transformar trauma histórico em cinema de gênero.
A premissa instiga. Utilizar o horror como ferramenta de denúncia política não é novidade, mas é sempre uma operação delicada. O filme começa com força, mergulha nas entranhas da ditadura militar e insere o espectador em um cenário claustrofóbico e brutal, em que militares torturam jovens capturados durante uma suposta investigação.
Porém, à medida que avança, “1978” abandona o rigor da denúncia e envereda por um caminho repleto de rituais demoníacos, seitas e criaturas infernais. A virada narrativa, que poderia expandir a proposta inicial, acaba criando uma ruptura brusca que esvazia o impacto do que foi construído até ali.
O que parecia ser um filme político e corajoso, aos poucos se transforma em um espetáculo de imagens sem sentido. A tentativa de mesclar crítica social com elementos sobrenaturais soa desequilibrada, e o resultado é um longa que desperdiça uma excelente ideia com escolhas equivocadas de roteiro e tom.
Qual a história de 1978?
Em meio à final da Copa do Mundo de 1978 — um dos momentos de maior euforia coletiva no país —, um grupo de militares invade uma casa com informações supostamente precisas sobre membros da resistência. Os jovens são levados a um centro de detenção clandestino, onde sofrem torturas físicas e psicológicas. Mas logo os algozes percebem que capturaram as pessoas erradas.
Os detidos, na verdade, pertencem a uma seita sombria que invoca forças sobrenaturais. A partir daí, o terror muda de natureza: os torturadores passam a ser caçados por entidades demoníacas dentro do próprio centro de repressão. O horror institucional se mistura ao fantástico, e a lógica do poder é subvertida em uma noite de pesadelo.

Crítica de 1978, da Max
O início de “1978” é eficaz ao retratar a opressão da ditadura com realismo brutal. As cenas de tortura e os interrogatórios são mostrados com frieza, sem enfeites ou moralizações. A atmosfera opressiva do centro clandestino é construída com uma fotografia seca, luzes frias e planos fechados que reforçam a sensação de aprisionamento.
Esse primeiro ato tem um valor dramático significativo. Ele não apenas denuncia os abusos de um regime, como também cria uma tensão real, sustentada por diálogos afiados e atuações sólidas. Há ecos de “Crônica de uma fuga”, mas com um grau maior de estilização visual e intenção simbólica.
Nesse momento, o filme é incômodo — no bom sentido. Ele desafia o espectador a encarar de frente uma parte mal cicatrizada da história argentina, e não se furta de traçar paralelos com discursos políticos contemporâneos. Frases como “zurdos hijos de puta” não são só resgates de época: são cutucões atuais.
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A ruptura narrativa e o tropeço do sobrenatural
A virada para o sobrenatural, no entanto, quebra o ritmo. Ao introduzir elementos como seitas satânicas, rituais demoníacos e criaturas infernais, “1978” tenta operar uma inversão simbólica — os opressores se tornam vítimas. Mas a execução falha. A transição entre os dois registros é abrupta e mal costurada, fazendo com que o horror místico pareça uma inserção artificial.
O problema não é misturar gêneros, mas não saber articulá-los. Enquanto o horror político é visceral e impactante, o sobrenatural se apresenta genérico, previsível e mal desenvolvido. As motivações dos personagens desaparecem, o roteiro se fragmenta e os acontecimentos deixam de fazer sentido. Tudo vira apenas uma sequência de mortes sangrentas.
A partir desse ponto, a tensão narrativa se dissolve. A estética muda: entram filtros avermelhados, cortes frenéticos, ruídos ensurdecedores e criaturas bem maquiadas — mas vazias de propósito. A sensação é que os diretores abandonaram o filme que estavam fazendo para brincar de horror B. E o pior: sem ironia ou consciência.
A metáfora que não se sustenta
É evidente que há uma tentativa de construir uma metáfora entre a repressão estatal e o mal sobrenatural. No papel, a ideia é instigante: transformar a tortura em castigo reverso e fazer com que os opressores enfrentem um mal maior que o deles próprios. Mas a proposta se esvazia por falta de densidade narrativa.
O roteiro não desenvolve os personagens — nem os militares, nem os jovens —, e não constrói regras para o universo sobrenatural. As entidades aparecem, matam e somem. A lógica interna desaparece, o simbolismo se dilui e o discurso político vira ruído de fundo.
Mais grave ainda é a sensação de que o filme relativiza a violência histórica ao colocá-la no mesmo nível de uma ameaça ficcional. Ao invés de amplificar o horror real, o componente fantástico enfraquece a denúncia. E isso não se resolve nem com os bons efeitos especiais, nem com a direção de arte cuidadosa.
Conclusão
“1978” é uma obra dividida entre ambição e descontrole. A primeira metade impressiona pela força dramática e pelo rigor na representação de um passado traumático. Mas a segunda parte implode o que foi construído, trocando densidade por excesso, coerência por caos, denúncia por espetáculo.
Os irmãos Onetti são nomes ativos no cinema de gênero argentino e demonstram coragem ao tocar em temas sensíveis com um viés autoral. No entanto, aqui falta clareza sobre o que exatamente querem dizer. O resultado é um filme que começa como grito político e termina como colagem sem propósito.
A produção tinha todos os elementos para ser marcante: contexto histórico forte, estética ousada, bons atores e um clima sufocante. Mas a escolha por inserir o sobrenatural sem amparo narrativo compromete o impacto da proposta. Ao fim, “1978” deixa um gosto amargo — não por sua brutalidade, mas pela oportunidade desperdiçada.
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Onde assistir ao filme 1978?
O filme está disponível para assistir na Max.
Assista ao trailer de 1978 (2025)
Elenco de 1978, da Max
- Agustín Olcese
- Mario Alarcón
- Carlos Portaluppi
- Santiago Ríos
- Jorge Lorenzo
- Agustín Pardella
- Ezequiel Pache
- Paula Silva