
Foto: Globoplay / Divulgação
Depois de mais de 15 anos afastado das produções nacionais, Walter Salles retorna com um dos filmes mais impactantes do cinema brasileiro contemporâneo. O filme “Ainda Estou Aqui”, adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, não é apenas uma narrativa sobre perdas pessoais durante a ditadura militar — é uma experiência que resgata com rigor, sensibilidade e coragem as feridas abertas do Brasil.
Exibido em festivais de prestígio como Veneza, Toronto e Zurique, e vencedor do Oscar na categoria de Melhor Filme Internacional, o longa se destaca não apenas por sua importância histórica, mas pela profundidade emocional com que trata a história da família Paiva, em especial a figura de Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva — interpretada com maestria por Fernanda Torres.
Sinopse do filme Ainda Estou Aqui (2024)
Nos anos 1970, em plena ditadura militar, Rubens Paiva (Selton Mello), ex-deputado cassado pelo regime, é sequestrado por militares e nunca mais retorna para casa. A trama acompanha a perspectiva de sua esposa, Eunice (Fernanda Torres), que, com os cinco filhos pequenos, tenta manter a casa unida enquanto a ausência de Rubens se torna um vazio devastador.
Mais do que um drama político, o filme é uma crônica familiar silenciosa sobre resistência, luto, memória e dignidade. A narrativa evolui do cotidiano idílico à escuridão da repressão, até alcançar os ecos de justiça que chegam décadas depois, com a Comissão da Verdade e a emissão oficial da certidão de óbito do desaparecido.
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Crítica de Ainda Estou Aqui, do Globoplay
Salles opta por uma linguagem contida, quase austera, que recusa o melodrama fácil. Em vez de exagerar emoções, ele confia na força das imagens e na verdade dos gestos. Essa escolha estética amplifica o impacto do filme, transformando o cotidiano em campo de batalha. As cenas domésticas ganham peso simbólico, como quando Eunice flutua no mar — ao mesmo tempo afundando na ausência e renascendo.
É um cinema que diz muito com pouco, que sussurra em vez de gritar — mas o eco é estrondoso. O silêncio aqui não é vazio, é política.
Fernanda Torres: uma força da natureza contida em cada gesto
Na pele de Eunice, Fernanda Torres entrega uma das maiores atuações do cinema brasileiro nos últimos anos. Sua personagem não desaba — ela se sustenta. E é justamente essa contenção que comove. Com olhar atento, ela intui as ausências, protege os filhos, sustenta o lar e enfrenta o Estado com uma dignidade feroz. Quando deixa escapar um sorriso ou um lampejo de desespero, a ruptura é devastadora.
É uma performance que transforma o não dito em fala e que domina cada cena, ainda que cercada por um elenco igualmente sólido.
Uma reconstituição de época impecável
Do figurino à ambientação, “Ainda Estou Aqui” reconstrói o Rio dos anos 1970 com perfeição. Adrian Tejido assina uma fotografia que envelhece a imagem com leveza, ora aquecida pelo afeto familiar, ora sombria e cinza à medida que o horror se instala. O uso de Super 8, filmagens caseiras e planos longos reforça a sensação de memória — uma memória que tenta se manter viva diante do apagamento sistemático promovido pela ditadura.
As transições visuais, como a cena em que cortinas se fecham para simbolizar o mergulho da casa na escuridão, são de uma sutileza inquietante.
Um horror sem sustos, mas com monstros
A estrutura do filme lembra, em muitos momentos, a de um filme de terror. O monstro aqui é o Estado, e seu ataque é invisível, mas brutal. Não há perseguições cinematográficas nem torturas explícitas — há uma ameaça constante, um medo que paira, um vazio que se instala. A família Paiva, mesmo protegida por privilégios, não escapa da engrenagem repressiva. E é justamente por isso que o impacto é tão forte: se nem eles estavam a salvo, quem estaria?
Ainda que a narrativa seja profundamente íntima, o filme opera como denúncia. A ausência de Rubens Paiva não é apenas uma tragédia familiar — é uma metáfora do que a ditadura fez com o país. A memória é um campo de disputa. Ao filmar Eunice mais velha, com Alzheimer, Salles propõe uma reflexão poderosa: mesmo quando a lembrança falha, o corpo carrega a resistência. A memória coletiva, então, torna-se responsabilidade de todos nós.
Conclusão
“Ainda Estou Aqui” é mais do que um filme: é um grito contido, uma carta de amor à resistência, um testamento sobre a importância de nunca esquecer. Walter Salles dirige com a sobriedade que a história exige, e Fernanda Torres traduz em cena a dor de uma geração inteira que foi silenciada — mas não derrotada.
O longa não busca heróis, nem espetaculariza a tragédia. Ele escancara a banalidade do mal com um olhar cuidadoso sobre o que restou — ou resistiu. Em tempos de revisionismos históricos e tentativas de apagar o passado, o filme é um lembrete necessário de que, sim, ainda estamos aqui.
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Onde assistir ao filme Ainda Estou Aqui?
O filme está disponível para assistir no Globoplay.
Trailer de Ainda Estou Aqui (2024)
Elenco de Ainda Estou Aqui, do Globoplay
- Fernanda Torres
- Fernanda Montenegro
- Selton Mello
- Valentina Herszage
- Maria Manoella
- Bárbara Luz
- Gabriela Carneiro da Cunha
- Luiza Kosovski
- Marjorie Estiano
- Guilherme Silveira
- Antonio Saboia
- Cora Mora
- Olívia Torres
- Pri Helena
Ficha técnica do filme Ainda Estou Aqui
- Direção: Walter Salles
- Roteiro: Murilo Hauser, Heitor Lorega
- Gênero: drama
- País: Brasil
- Duração: 137 minutos
- Classificação: 14 anos