Se existe algo que grita “filme de fim de ano da Netflix“, é uma família disfuncional reunida em torno de uma tragédia iminente, de preferência com muita neve (falsa) e lições de moral. Mas Adeus, June chega com um “pedigree” diferente. Afinal, não é todo dia que vemos Kate Winslet assumindo a cadeira de diretora, trazendo consigo um elenco que mais parece a realeza da atuação britânica: Helen Mirren, Timothy Spall, Toni Collette e a própria Winslet.
No entanto, o filme também carrega o peso inevitável das “conexões familiares”: o roteiro é assinado por Joe Anders, filho de Winslet com o diretor Sam Mendes. A grande questão que fica é se todo esse talento em tela consegue compensar o óbvio privilégio e a inexperiência que permeiam a escrita dessa estreia.
Sinopse
A trama começa com o apito agudo de uma chaleira, interrompido pelo baque de um corpo no chão. June (Helen Mirren), a matriarca da família, colapsa enquanto preparava seu chá. O diagnóstico no hospital é devastador: o câncer voltou, espalhou-se e o fim está próximo — ela provavelmente não verá o Natal, que está a apenas duas semanas de distância.
Isso força uma reunião de emergência da família em Cheltenham. Temos Bernard (Timothy Spall), o marido em negação que prefere o pub à realidade; Connor (Johnny Flynn), o filho caçula hipersensível que mora com os pais; e as três irmãs com dinâmicas complicadas: Julia (Winslet), a executiva estressada; Molly (Andrea Riseborough), a dona de casa obcecada por orgânicos; e Helen (Toni Collette), a instrutora de ioga “gratiluz” que vive na Alemanha. Confinados no quarto do hospital, eles precisam deixar as rixas de lado para se despedir da mãe.
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Resenha crítica do filme Adeus, June
Um Ferrari com motor de Fusca
Vamos ser honestos: assistir a Adeus, June é como ver chefs com estrelas Michelin tentando fazer um bolo de caixinha parecer alta gastronomia. O elenco é, sem dúvida, o ponto alto e, ironicamente, o que mais expõe as fraquezas do filme. Quando você tem atores desse calibre, qualquer falha no texto se torna gritante. Helen Mirren entrega uma June estoica, sem cair na santidade artificial de pacientes terminais de cinema; ela é afiada e, em um momento memorável, coloca a família briguenta na linha gritando um sonoro “Seus merdinhas!”.
Timothy Spall, como sempre, é um gigante. Ele consegue transformar o personagem de Bernard — um homem “doddering” (trêmulo/velhinho) que está dissociando para não encarar a perda da esposa — em algo dolorosamente humano, fugindo da caricatura. Já Winslet, atuando sob sua própria direção, oferece uma performance contida, destacando-se numa cena de confronto no corredor do hospital com a personagem de Andrea Riseborough, que vibra tensão a cada segundo em cena.

O peso do roteiro (e do nepotismo)
O “elefante na sala” é o roteiro de Joe Anders. Para um primeiro esforço, não é um desastre, mas cai em armadilhas previsíveis de estudante de cinema. Os personagens parecem arquétipos desenhados com caneta grossa: a empresária que trabalha demais e não vê os filhos, a irmã “natureba” julgadora e a ovelha negra espiritualizada.
Toni Collette, infelizmente, é a maior vítima aqui. Sua personagem, Helen, parece “sobrar” na trama, reduzida a um alívio cômico duvidoso com seus cristais e sessões de Reiki para “ativar o intestino” da mãe. O roteiro tenta, mas não consegue aprofundar essas dinâmicas com a mesma habilidade que o elenco tenta vendê-las. Há uma sensação constante de que estamos vendo um exercício de curso de cinema com orçamento de Hollywood, onde situações clichês (como o marido que esquece a pia ligada e inunda a casa) substituem dramas mais sutis.
Manipulação emocional: funciona, mas cansa
Winslet, na direção, mostra que sabe conduzir atores, mas a estética e o tom do filme mergulham de cabeça no sentimentalismo. Temos um enfermeiro chamado Angel (Fisayo Akinade) — sério, Angel? — que é a criatura mais doce e paciente da história do cinema, servindo quase como um guia espiritual para a família. É o tipo de coisa “na cara” demais.
A iluminação do quarto de hospital, muitas vezes banhada numa luz branca quase celestial, e a neve caindo lá fora reforçam que estamos num terreno de fantasia emocional. O filme quer te fazer chorar a qualquer custo, usando a “carta do câncer” no Natal de forma quase agressiva.
E, apesar de eu revirar os olhos para a sacarina excessiva e para a previsibilidade da trama, mentiria se dissesse que não funciona em algum nível. A dor de dizer adeus, a tentativa de criar um último Natal perfeito e a aceitação da morte são temas universais que, nas mãos desse elenco, acabam nos atingindo, mesmo que a gente saiba que está sendo manipulado.
Conclusão
Adeus, June é um filme que se equilibra precariamente entre o talento inegável de sua execução e a mediocridade de sua concepção. É uma produção que escancara seus privilégios — tanto os de classe retratados na tela quanto os de bastidores que permitiram sua existência.
No entanto, se você conseguir ignorar o roteiro esquemático e perdoar o excesso de açúcar, encontrará performances genuinamente tocantes. É aquele tipo de filme “confortável” para chorar no sofá, que cumpre sua função de drama de fim de ano, mas que seria esquecível se não fosse pelos rostos famosos que o habitam. Vale o play pela atuação magistral de Timothy Spall e Helen Mirren, mas não espere nada além de uma novela bem produzida.
Onde assistir ao filme Adeus, June?
Trailer de Adeus, June (2025)
Elenco de Adeus, June, da Netflix
- Helen Mirren
- Kate Winslet
- Toni Collette
- Johnny Flynn
- Andrea Riseborough
- Timothy Spall
- Stephen Merchant
- Fisayo Akinade


















