Steven Soderbergh está inegavelmente no auge de sua carreira, mantendo um ritmo de produção insanamente consistente em qualidade e volume. Após o lançamento do ótimo Presença (2024), Código Preto (Black Bag) chega como sua segunda colaboração do ano com o roteirista David Koepp, provando que o diretor continua a se divertir muito com o ofício, engajando-se em diversas facetas da produção cinematográfica.
O filme foi amplamente aclamado pela crítica, com um desempenho de 96% no Rotten Tomatoes — seu melhor desde Sexo, Mentiras e Videotape em 1989 — e uma pontuação de 85 no Metacritic (Universal Acclaim). No entanto, esta recepção calorosa por parte dos críticos contrasta com a performance “frustrante” de bilheteria, reacendendo o debate sobre o espaço para filmes adultos e de orçamento médio no cenário cinematográfico contemporâneo. Código Preto se firma como um thriller de espionagem que é, simultaneamente, um exercício estilístico elegante e um mergulho profundo nas complexidades da confiança em um relacionamento.
Sinopse
Código Preto narra a história dos lendários agentes de inteligência britânicos George Woodhouse (Michael Fassbender) e sua esposa Kathryn St. Jean (Cate Blanchett), que também é agente. George é o pilar da agência, um espião calculista e metódico. O casamento de ambos é colocado à prova quando George recebe a missão de encontrar um agente infiltrado que vazou informações ultrassecretas relacionadas a um destrutivo cyber worm chamado Severus.
A lista de suspeitos é curta e íntima, incluindo Kathryn e outros três casais que trabalham na mesma agência, como Freddie Smalls (Tom Burke) e Clarissa Dubose (Marisa Abela). George, então, se vê diante de um dilema existencial: manter a lealdade ao seu casamento ou ao seu país. O filme se desenrola através de um jogo psicológico intenso, onde a fragilidade humana e as ansiedades domésticas são projetadas no gênero de espionagem.
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Crítica
No coração de Código Preto reside o casamento de George e Kathryn, que serve como um microcosmo da própria trama de espionagem. O filme é construído a partir de um desafio proposto por Soderbergh a Koepp: reimaginar Quem Tem Medo de Virginia Woolf? com espiões. O resultado é um thriller que se beneficia de uma premissa simultaneamente clássica e modernizada. A fraqueza humana, marcada por conflitos sexuais, maquinações políticas, dúvidas sobre infidelidade e insatisfações, é apresentada como a “maior força” do filme.
George, interpretado por Fassbender, é o destaque. Ele evoca a frieza calculista de George Smiley de John le Carré, mas com uma elegância dissimulada e fria reminiscentes de Michael Caine ou Dirk Bogarde. Fassbender confere ao personagem uma lógica “robótica” que, ironicamente, é percebida como afrodisíaca. Ele está sempre “um passo à frente neste jogo de xadrez”. Cate Blanchett complementa essa dinâmica com uma performance que exala poder estelar da velha guarda. Sua Kathryn é uma “leoa” que percorre o filme com graça e uma presença sedutora, mas secreta, que a torna uma jogadora de pôquer tão hábil quanto George.
A química entre Fassbender e Blanchett é crucial, sendo a “verdadeira alma do filme”, retratando uma parceria onde a lealdade e a confiança são tão fortes que as dúvidas do exterior não abalam o núcleo do casal. O final, onde Kathryn protege George com violência e eles reafirmam seu compromisso inabalável — chegando ao ponto de ela dizer que “mataria por ele” literalmente —, subverte a expectativa do gênero, transformando a espionagem em um drama íntimo sobre fidelidade.
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A estilística minimalista de um autor completo
Steven Soderbergh é reconhecido por seu domínio técnico, atuando frequentemente como diretor, cinegrafista (sob o pseudônimo Peter Andrews) e editor (sob o pseudônimo Mary Ann Bernard). Esse controle absoluto resulta em um filme “conciso e fluido”, perfeitamente ritmado em seus exatos 93 minutos. O filme adota uma filosofia de produção enxuta, buscando manter o público engajado do começo ao fim em um projeto de custo relativamente baixo (US$ 50 milhões, embora alguns o considerem alto para o gênero).
O ritmo é ditado por uma montagem afiada, com cortes rápidos e estratégicos que pontuam as transições entre situações e países, muitas vezes marcadas apenas pelo dia da semana. A cinematografia é estilizada e intencional. Soderbergh brinca com o registro visual, usando lens flares estourados em ambientes públicos e luz de velas para contrastar a intimidade aparente dos ambientes privados. Em outros momentos, a alta iluminação ou o soft-focus servem simbolicamente para mostrar que “mesmo sob a luz, nada é totalmente revelado”, reforçando a essência de segredo da espionagem.
O design de som, auxiliado pela trilha sonora de David Holmes, que mistura tons de jazz com sons eletrônicos modernos, adiciona uma camada de “apelo cool e nervoso”. A direção é consciente de si mesma, elegante e eficiente, priorizando a tensão psicológica e os diálogos minuciosos em vez de “cenas bombásticas” ou “ação de tiro, porrada e bomba”.
John le Carré encontra Agatha Christie no Jogo da Traição
Código Preto é um thriller que se inclina fortemente para o lado cerebral da espionagem. Ele é descrito como um cruzamento entre o realismo sombrio de John le Carré (especialmente com Fassbender evocando George Smiley) e a estrutura de mistério fechado de Agatha Christie. O roteiro de Koepp, habilidoso em manter a tensão, concentra-se em um elenco de coadjuvantes que atuam como suspeitos, criando um ambiente de desconfiança constante.
Um dos momentos mais elogiados é o jantar na casa do casal, onde um chana masala é adulterado com soro da verdade, forçando os convidados a expor as “falhas em seus relacionamentos”. Essa dinâmica de sala, onde os diálogos são o campo de batalha, remete a uma sessão de terapia de casal ou a um jogo de Detetive, mas conduzido com ironia e sagacidade. Pierce Brosnan, um “refugiado de 007”, diverte-se em um papel que está nos antípodas de James Bond, interpretando o chefe da agência, Arthur Steiglitz, que se revela cúmplice do plano de traição.
Embora o filme possa ter uma pretensão de profundidade que acabe não se concretizando, é um filme altamente divertido e um deleite para os fãs do gênero investigativo. A trama é complexa, mas a narrativa é tão fluida que o longa-metragem nunca se torna cansativo, compensando sua história bem padrão, digamos, com atmosfera e estilo.
Conclusão
Código Preto é um tour de force de Steven Soderbergh, afirmando sua versatilidade e seu talento em transformar convenções de gênero em um fascinante estudo sobre relações humanas sob pressão extrema. A fusão de um thriller de espionagem refinado e de um drama conjugal neurótico é ancorada pelas performances magnéticas de Michael Fassbender e Cate Blanchett, cuja parceria e lealdade funcionam como o verdadeiro MacGuffin emocional do filme.
Embora a escala da conspiração global possa ser o ponto de menor convencimento da trama, o filme triunfa ao focar na tensão doméstica e nos jogos mentais. É um filme redondinho, que, apesar de não ter tido o sucesso de bilheteria esperado, é uma prova de que o cinema inteligente, tenso e guiado por diálogos ainda tem força para cativar os espectadores que apreciam o suspense no estilo clássico britânico.
Onde assistir ao filme Código Preto?
O filme está disponível atualmente para assistir no Prime Video.
Quem está no elenco de Código Preto (2025)?
- Michael Fassbender
- Cate Blanchett
- Marisa Abela
- Tom Burke
- Naomie Harris
- Regé-Jean Page
- Pierce Brosnan