Baseado no livro homônimo de Rumaan Alam, “O Mundo Depois de Nós” (Leave the World Behind) estreou na última sexta-feira (8) na Netflix e vem gerando muito rebuliço nas redes sociais, principalmente por causa de seu final. A crítica dos assinantes ficou dividida, com uns achando o filme uma porcaria, enquanto outros o consideram uma verdadeira obra-prima.
Entretanto, um detalhe vem chamando a atenção de várias pessoas que assistiram ao filme “O Mundo Depois de Nós”: o final. A discussão tomou conta das redes sociais com cada um tendo uma interpretação sobre o desfecho. E isso é absolutamente normal, afinal, o diretor e roteirista Sam Esmail optou por um encerramento aberto, abrindo espaço para que cada espectador entendesse da sua forma.
Então, para quem não entendeu o final ou busca interpretações diferentes, o Flixlâdia vai ajudar a compreender melhor o desfecho de “O Mundo Depois de Nós” com a nossa explicação peculiar. Desde já, avisamos que esse texto, obviamente, contém spoilers.
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O filme começa com a típica família estadunidense, os Sandford, formada por Amanda (Julia Roberts), Clay (Ethan Hawke) e seus filhos, Rose (Farrah Mackenzie) e Archie (Charlie Evans), buscando uma pausa na vida cotidiana. Ao alugarem uma casa de luxo em Long Island, eles veem seu retiro idílico transformar-se em pesadelo quando uma misteriosa família, GH (Mahershala Ali) e Ruth (Myha’la), bate à porta em busca de refúgio após um apagão na cidade.
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Final explicado de O Mundo Depois de Nós
Antes de explicar o final de “O Mundo Depois de Nós”, precisamos salientar que o subtexto do filme tem várias camadas, com diversas críticas sociais.
Por que os cervos agem de forma estranha?
Muitas pessoas não entenderam o por quê dos cervos estarem se reunindo em grupos, ou o motivo pelo qual os flamingos invadiram a piscina, e até mesmo por qual razão os pássaros estavam fugindo. A ideia sobre esse detalhe é fazer uma alusão à destruição do meio ambiente. Uma das razões do apocalipse pode ter sido essa, mostrando que a natureza estava dando seu recado. Outro ponto que chama a atenção para essa questão é o navio petroleiro – combustível fóssil que degrada o ecossistema – se chamar White Lion.
De acordo com o próprio diretor do filme, em entrevista ao Tudum, “os cervos são criaturas pacíficas. Transformar essa imagem doce em agora esse tipo de sinistro, ameaçador, quase aviso – eu achei muito interessante. Esse é o truque deste filme. Sempre tentamos pegar as coisas que nunca consideramos uma ameaça e depois dar a volta por cima”.
O que é ‘o barulho’?
Na segunda metade do filme, o caos aumenta, incluindo um barulho estridente que ecoa por Long Island. Sam Esmail afirmou que a equipe pegou “elementos da Síndrome de Havana, que é um som misterioso que ainda não chegou ao fundo do poço que vem causando doenças”.
A doença apareceu pela primeira vez em 2016, após dezenas de diplomatas norte-americanos em Havana terem apresentado sintomas como enxaqueca, náusea, lapsos de memória, fadiga e vertigem, com alguns, inclusive, perdendo a audição. O então presidente Donald Trump acusou o governo de Cuba de estar por trás dos supostos ataques e retirou os funcionários dos EUA do local. Entretanto, nos anos seguintes, diplomatas e funcionários do governo americano e familiares que moram em outros países também enfrentaram os sintomas. Em março de 2023, o Conselho Nacional de Inteligência do país divulgou um relatório afirmando que é “altamente improvável que um adversário estrangeiro tenha sido responsável pelas anomalias de saúde”.
Por que os dentes de Archie caem?
Depois de ouvir o barulho – ou talvez depois de sofrer uma picada de carrapato na floresta fora de casa – o filho de Clay e Amanda, Archie (Charlie Evans), acorda com a boca cheia de gengivas podres e lentamente puxa seus dentes da frente para fora. O personagem GH levanta a hipótese de Doença de Lyme, infecção causada por bactérias, mais comumente a da espécie Borrelia burgdorferi.
Entretanto, diferentemente do filme, a Doença de Lyme – até onde se sabe – não causa perda de dentes ou algum problema de gengiva. Os sintomas mais comuns são lesão avermelhada e inchaço no local da picada; febre; calafrios; fadiga; dores no corpo; dores de cabeça; dores nas articulações; inchaço; problemas neurológicos como meningite e paralisia temporária de um lado do rosto; dormência no corpo; fraqueza nos membros; movimentos musculares dificultados; inflamação nos olhos; problemas cardíacos (como arritmia); hepatite; e fadiga severa.
Por outro lado, o diretor respondeu em entrevista à Vulture, que acha “que é um pesadelo. Acho que o filme é um pesadelo, e acho que, em pesadelos, acontecem coisas que são inexplicáveis”. Dessa forma, é outro ponto que Esmail deixa aberto a interpretações.
Racismo
Uma das crítica sociais de “O Mundo Depois de Nós” é a respeito do racismo. A cena em que os personagens G. H. e Ruth vão dormir no porão remete ao preconceito, inclusive com uma fala bem didática da filha de George: “Estou pedindo para se lembrar que, se o mundo ruim, não devemos confiar em ninguém. Muito menos em brancos”. Em seguida, a jovem complementa, deixando ainda mais claro o comentário: “Estamos dormindo no nosso porão pela segunda noite seguida”.
Em outro momento do filme, Amanda diz que não acreditou em G. H. e Ruth desde que os dois entraram pela porta. A jovem, então, em tom de deboche, questiona a personagem de Julia Roberts: “Nossa, o que será que nos torna tão suspeitos?”, numa clara alusão ao racismo estrutural.
Guerra Fria
Na cena em que Clay e GH buscam por ajuda com Danny (Kevin Bacon), o empreiteiro logo levanta a hipótese de que o país estava em guerra e que “os russos tiraram o pessoal deles de Washington (capital dos EUA)”, remetendo diretamente ao período da Guerra Fria, que ocorreu entre os norte-americanos e União Soviética de 1947 a 1991. EUA e Rússia, até hoje, alimentam uma rivalidade sobre a luta do capitalismo contra o comunismo.
Por trás desse tema, o personagem ainda comenta que “os coreanos estão por trás disso tudo […]. Ou os chineses, um deles”. Embora o texto não deixe claro sobre qual das Coreias Danny se refere, nas entrelinhas, o empreiteiro está sugerindo que ou a Coreia do Norte ou a China, famosos adversários dos EUA, é um dos responsáveis pela guerra. Afinal, ambos os países são comandados por partidos socialistas.
Fake news
O filme também bate muito na tecla da questão das fake news. Cada hora uma notícia diferente sobre o que estava acontecendo, a respeito da razão do suposto apocalipse. Em uma cena, Amanda recebe várias notificações de canais de notícias falando sobre possíveis ataques cibernéticos. Entretanto, ela apenas leu as mensagens, sem sequer abrir as matérias e logo passou a informação que sabia para frente, mesmo que não tivesse se aprofundado sobre elas.
Além disso, após Danny acusar a Coreia do Norte, a China ou até mesmo levantar dúvidas sobre a Rússia, GH e Clay mostram o panfleto que encontraram escrito “Morte À América” supostamente escrito em árabe. O personagem de Ethan Hawke diz que suspeita dos iranianos, pois, de acordo com ele, teria ouvido algo na NPR (rádio norte-americana) de que o Irã tinha “grande capacidade cibernética”. Ou seja: desinformação espalhada com sucesso.
Teorias da conspiração
GH ainda revela que um de seus clientes do mercado financeiro está envolvido no setor de Defesa norte-americano e que ele estudou a “análise custo-benefício de campanhas militares”. O personagem disse que o está acontecendo no mundo lhe remete diretamente a um programa militar com uma “manobra de três estágios” que, se utilizada efetivamente, “poderia derrubar o governo de um país de dentro para fora”.
O primeiro estágio é “isolamento”, que foi a falta de energia e o hackeamento de satélites que impedem que os telefones funcionem. Em seguida, vem o “caos sincronizado”, onde o país é aterrorizado com “ataques secretos e desinformação”, como o ruído penetrante, os variados panfletos e assim por diante. “Se feito com sucesso, o terceiro estágio aconteceria por conta própria. Golpe de estado. Guerra civil. Colapso. Esse programa era considerado a maneira mais eficaz de desestabilizar um país”, explica GH. “Porque se a nação alvo estivesse disfuncional o suficiente, ela, essencialmente, faria o trabalho para você. Quem começou isso quer que nós terminemos”.
Por que Friends está em O Mundo Depois de Nós?
A série “Friends” foi uma das principais questões levantadas sobre “O Mundo Depois de Nós”, principalmente no que tange ao seu final. Para o diretor, o programa de TV representava “puro escapismo. Em momentos de crise, quando perdemos de vista nossa humanidade comum, quando nos sentimos isolados, queremos escapar para confortar. E para Rose, pensei que sua jornada não estaria completa até que ela assistisse ao episódio final de seu programa favorito”. Parafraseando a música-tema, quando as bombas começam a cair, “I’ll Be There for You” (ou “Eu estarei lá para você”).
À Vulture, Esmail disse que “tudo isso parecia certo para a jornada de Rose. Ela só queria se agarrar a algo que lhe parecesse puro, e ela não conseguia com sua família. De certa forma, esses eram seus verdadeiros amigos. E eu tinha que dar a ela um final feliz. Thrillers paranoicos são tão brutais com seus finais! Tive que dar um pequeno sentido de esperança para Rose”.
Não é necessariamente uma conclusão esperançosa, mas há alguns vislumbres de luz na escuridão. “Há uma pintura pendurada no final do corredor antes de Rose descer para o porão que diz ‘A esperança começa no escuro'”, continuou Esmail. “Acho que, por mais que este filme seja um conto de advertência e seja um aviso, não é para nos dar uma resposta sobre o que fazer a seguir – mas é para dizer: ‘Por mais sombrio que possa ficar, por mais sombrio que possa ser, sempre podemos nos esforçar para encontrar alguma esperança'”. E talvez um box de DVD, afinal, “se um evento como o que retratamos neste filme realmente acontecer, a Netflix não vai ajudar com o seu escapismo. Vai ter que ser mídia física”.
Qual a diferença entre O Mundo Depois de Nós e o livro?
Como os fãs do livro sabem, a maior mudança do filme é transformar GH e Ruth em uma dupla de pai e filha, em vez de um casal negro mais velho como na obra original. No entanto, além desse ajuste, os eventos em grande parte se desenrolam como na literatura. O longa-metragem expande os elementos do desastre, como um amontoado de Tesla e um acidente de avião na praia, mas outros momentos, como o barulho penetrante, os apagões e até os flamingos e os cervos, vêm do romance de Rumaan Alam.
A subtrama de “Friends”, onde Rose ficou frustrada com a falta de internet que a impediu de terminar Friends, é uma invenção para o filme. No entanto, é a única diversão real longe do final do livro, que, em vez disso, a viu pegar os suprimentos e voltar para casa.
Mas e o final de O Mundo Depois de Nós?
O final de “O Mundo Depois de Nós” causou alguma frustração em parte dos espectadores da Netflix, já que não explica realmente nada, mas está de acordo com o livro, que é igualmente ambíguo. Ainda em entrevista à Vulture, o diretor Sam Esmail revelou que a ideia de um desfecho aberto, segundo o próprio, era porque “não queria amarrar tudo. Não acho que o filme faça isso. Mas eu queria dar um pouco mais, porque eu acho que no meio cinematográfico, você pode ir longe demais com a abstração […] Você tem um vislumbre do que está acontecendo, mas não sabe necessariamente o que vai acontecer depois disso (da explosão) ou o que está causando isso exatamente. Acho que isso canalizou o tipo certo de perguntas e provocações que eu queria colocar no filme”.
O cineasta ainda complementou: “Acho que todos nós nos comprometemos com a ideia de que não deve haver uma resposta fácil. Não devemos aliviar porque, como na vida, temos que enfrentar ambiguidades o tempo todo. Isso era essencial para o livro e central para o que eu queria fazer no filme. Não há respostas fáceis e soluções e temos que encarar isso e seguir em frente”.
Vícios, desprendimentos, egoísmo e superficialidades
O final também remete ao nosso vício pela internet. Quando o diretor afirma que não será a Netflix que vai nos salvar, mas sim a mídia física, ele logo chama a atenção para a questão das mídias sociais às quais estamos tão apegados. Afinal, o streaming depende de uma rede para funcionar. Além disso, Rose dizia que ninguém a escutava e, no fim, que cansou de esperar, deixando todos para trás e indo atrás da única coisa que importava para ela: “The Last One”, o último capítulo da série “Friends”.
Essa faceta da personagem também é uma referência ao tempos em que vivemos, sobre desprendimentos, pensarmos apenas em nós próprios e nos importamos com superficialidades, como o mero encerramento de uma série. Nesse ponto, a incerteza de quem está por trás dos ataques no país fica em segundo plano diante do debate sobre a natureza humana em “O Mundo Depois de Nós”. Afinal, é mais fácil sucumbir ao egoísmo mesmo quando a sobrevivência depende do coletivo? Além disso, a curiosidade de Rose parece refletir a nossa necessidade por encontrar um pouco de normalidade mesmo em situações assustadoras.
Vale ressaltar que “O Mundo Depois de Nós” não revela como o apocalipse aconteceu e/ou quem está por trás do suposto ataque, deixando o final em aberto para todas as interpretações das pistas deixadas pelo diretor.
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