Wilson Spiler07/11/20243 Mins de Leitura137 Visualizações
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Adaptar uma obra clássica e complexa como “Pedro Páramo” é sempre um desafio, ainda mais quando se trata de um dos maiores expoentes do realismo mágico na literatura latino-americana.
A nova versão de Rodrigo Prieto, reconhecido diretor de fotografia e agora diretor, trouxe o icônico romance de Juan Rulfo para as telas da Netflix, cercada de expectativas e inquietações.
Em seu filme de estreia como diretor, Prieto conta com um elenco estelar e uma equipe técnica de peso, propondo uma nova leitura de “Pedro Páramo” que honra a visão poética e fantasmagórica da obra original.
A história começa com Juan Preciado, interpretado por Tenoch Huerta, que, cumprindo o último desejo de sua mãe, parte rumo ao povoado de Comala para encontrar o pai que nunca conheceu, Pedro Páramo (Manuel García-Rulfo).
Ao chegar, Juan descobre que o lugar está repleto de mistérios e lembranças dolorosas. A cada passo, ele se depara com figuras que parecem presas entre a vida e a morte, pessoas cujas existências foram profundamente afetadas pela figura de Pedro Páramo, um cacique tirânico que moldou o destino daquelas almas.
Assim, o jovem Preciado embarca numa jornada assombrosa que expõe, camada por camada, as cicatrizes de Comala e de sua própria família.
Rodrigo Prieto transforma “Pedro Páramo” em uma experiência visual e sensorial única, aproveitando seu talento como fotógrafo para recriar as atmosferas e sentimentos que Rulfo pintou com palavras.
A câmera de Prieto percorre o povoado como se fosse um espírito, capturando os contrastes entre o passado luminoso e o presente sombrio, quase monocromático, de Comala.
Esse olhar cuidadoso, somado à direção de arte meticulosa de Eugenio Caballero e à trilha sonora assombrosa de Gustavo Santaolalla, aproxima o público de um universo que oscila entre o real e o imaginário, como em um sonho.
Vida própria
Embora o roteiro de Mateo Gil siga de perto a trama do livro, o filme ganha vida própria ao explorar o psicológico e o espiritual. Cada personagem, mesmo os mais secundários, como Damiana (Mayra Batalla) e Eduviges (Dolores Heredia), é interpretado com uma carga emocional que faz jus à intensidade do texto rulfiano.
Manuel García-Rulfo se destaca como Pedro Páramo, um anti-herói atormentado por seus próprios demônios e pela incapacidade de amar verdadeiramente. Ele entrega uma atuação complexa, revelando o vilão sob uma ótica mais humana e dolorosa.
Ritmo contemplativo
Prieto também acerta ao não tentar reproduzir fielmente todos os eventos do romance. Em vez disso, ele adota um ritmo contemplativo, criando cenas poéticas que dialogam com o realismo mágico de Rulfo.
A utilização de flashbacks e a mescla entre presente e passado, vida e morte, permitem uma imersão profunda nos temas da herança, do trauma e da solidão. No entanto, essa abordagem pode ser desafiadora para espectadores não familiarizados com o livro, pois o filme exige atenção para captar suas nuances.
“Pedro Páramo”, de Rodrigo Prieto, é mais do que uma simples adaptação; é uma celebração da cultura mexicana e da universalidade do realismo mágico. Embora fiel à essência da obra, o filme se arrisca e se aventura em interpretar os sentimentos não ditos e os fantasmas que habitam cada um dos personagens.
O trabalho de Prieto, somado ao talento do elenco e da equipe técnica, faz dessa adaptação uma leitura visual e emocional do clássico de Rulfo, revelando um Comala tão desolador quanto fascinante. Para os que buscam uma imersão no imaginário rulfiano, esta é uma viagem imperdível.
Formado em Design Gráfico, Pós-graduado em Jornalismo e especializado em Jornalismo Cultural, com passagens por grandes redações como TV Globo, Globonews, SRZD e Ultraverso.
Realmente o filme é fabuloso em todos os aspectos. Vi é revi várias vezes.