No cenário cinematográfico atual, a Netflix tem se aventurado em produções que buscam ir além do entretenimento casual, mergulhando em narrativas mais complexas e humanizadas. A Noite Sempre Chega (“Night Always Comes”), dirigido por Benjamin Caron e com a assinatura da estrela e produtora Vanessa Kirby, chega com a promessa de ser uma dessas obras.
Adaptado do aclamado romance homônimo de Willy Vlautin, o filme nos transporta para Portland, Oregon, e acompanha a frenética jornada de uma mulher, Lynette, em uma única noite. O que se desenrola é uma exploração tensa e crua da luta pela sobrevivência, do impacto da gentrificação e da linha tênue entre o desespero e o crime.
Sinopse
Lynette (Vanessa Kirby), uma mulher na casa dos 30 anos, vive uma rotina exaustiva, conciliando três empregos para se sustentar e cuidar de seu irmão mais velho, Kenny (Zack Gottsagen), que tem uma deficiência intelectual, e de sua mãe relapsa, Doreen (Jennifer Jason Leigh). A família reside em uma casa alugada há anos, e a chance de estabilidade surge quando o proprietário lhes oferece a oportunidade de comprar o imóvel.
Lynette, enxergando ali a sua única “vitória” na vida, se empenha para conseguir o dinheiro da entrada. Contudo, essa esperança se desfaz quando sua mãe, de maneira egoísta e impulsiva, gasta o valor da entrada em um carro novo.
Com apenas algumas horas para levantar os US$ 25 mil necessários e evitar o despejo, Lynette embarca em uma perigosa odisseia noturna pelo submundo de Portland, confrontando fantasmas de seu passado e os perigos de uma cidade dividida pela desigualdade social.
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Crítica do filme A Noite Sempre Chega
O maior trunfo de A Noite Sempre Chega reside em sua capacidade de gerar uma tensão palpável, impulsionada pela performance eletrizante de Vanessa Kirby. Sua Lynette é um retrato de exaustão e resiliência, uma mulher que carrega o peso do mundo nas costas e cujo desespero, embora assustador, é totalmente compreensível.
O filme constrói essa atmosfera de sufoco a partir de uma realidade social dura: a gentrificação implacável, a inflação crescente e a fragilidade de uma classe trabalhadora que vive à mercê de decisões financeiras que escapam de seu controle.
Caron, com a ajuda de uma fotografia sombria e uma trilha sonora melancólica, consegue traduzir visualmente o estado de espírito da protagonista, criando um neo-noir que é mais sobre o colapso emocional do que sobre os clichês do gênero. A urgência dos marcadores de tempo na tela nos lembra constantemente que o relógio não para e que o destino da família de Lynette está por um fio.

Roteiro dilui contexto social
Apesar da atmosfera e do ritmo envolventes, o filme tropeça em sua própria superficialidade ao abordar os temas sociais do livro. O roteiro de Sarah Conradt, ao focar na jornada frenética de Lynette, acaba por diluir o contexto que deveria ser a espinha dorsal da história. As questões de classe, renda e gentrificação são apenas “nomeadas”, mas raramente aprofundadas.
O que poderia ser uma crítica contundente ao sistema capitalista e à falta de redes de segurança financeira, transforma-se em um enredo de crime mais preocupado com a adrenalina do momento do que com a mensagem subjacente.
A falta de um desenvolvimento psicológico mais robusto de personagens secundários, como a mãe de Lynette, Doreen (que, apesar da ótima atuação de Jennifer Jason Leigh, parece mais um artifício narrativo do que uma pessoa real), prejudica o impacto emocional da história. A confrontação final entre mãe e filha, por exemplo, parece surgir do nada, sem a base psicológica necessária para sustentar o peso dramático que a cena exige.
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Faca de dois gumes
A escolha do elenco, embora competente, levanta algumas questões. Vanessa Kirby é uma força da natureza, mas sua perfeição pode ser uma faca de dois gumes. Embora sua atuação seja impecável, ela carece do “verniz” da vida dura, daquela aspereza que só a experiência real de uma vida de privações poderia imprimir. Não compramos totalmente que ela “viveu” tudo que a personagem precisou enfrentar.
O mesmo pode ser dito de Jennifer Jason Leigh, que parece muito “jovem” para ser a mãe calejada de uma mulher na faixa dos 30, e de outros atores britânicos em papéis essenciais para o filme. Por outro lado, o brilho de Zack Gottsagen como Kenny e a participação de atores como Julia Fox, que rouba a cena em seu breve tempo de tela, adicionam camadas de interesse e humanidade.
A química entre Kirby e Gottsagen é, sem dúvida, o ponto mais tocante do filme, e é nos momentos de vulnerabilidade entre os dois que a narrativa encontra seu verdadeiro coração.
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Conclusão
A Noite Sempre Chega é um filme que fascina e frustra em igual medida. Como um thriller de crime e desespero, ele é envolvente e bem executado, impulsionado por uma performance central extraordinária de Vanessa Kirby. A direção de Benjamin Caron e a fotografia de Damián García criam uma atmosfera grudenta e urgente que prende o espectador do início ao fim.
No entanto, o filme se perde ao transformar a rica complexidade social do romance original em um roteiro mais superficial e focado na ação. Embora a história toque na realidade cruel da desigualdade e da luta pela sobrevivência, ela não se aprofunda o suficiente para se tornar uma crítica social duradoura.
No final das contas, A Noite Sempre Chega é uma peça de cinema sólida e absorvente, mas que deixa a sensação de que as verdades universais que a inspiraram poderiam ter chegado com um impacto muito maior.
Onde assistir ao filme A Noite Sempre Chega?
O filme está disponível para assistir no catálogo da Netflix.
Trailer de A Noite Sempre Chega (2025)
Elenco de A Noite Sempre Chega, da Netflix
- Vanessa Kirby
- Jennifer Jason Leigh
- Zachary Gottsagen
- Stephan James
- Randall Park
- Julia Fox
- Michael Kelly
- Eli Roth