Tem filme que a gente começa a assistir com uma expectativa e termina com a cabeça borbulhando de outras. Baramulla, a nova aposta indiana da Netflix, é exatamente esse tipo de obra. O longa, dirigido por Aditya Suhas Jambhale (de Article 370), chega com a ambiciosa proposta de misturar terror sobrenatural, drama psicológico e, pasmem, crítica social e política. Não é só sobre levar susto; é sobre ser assombrado por uma história que se recusa a ser enterrada.
O filme se passa no Vale do Caxemira, uma região naturalmente linda, mas dilacerada por conflitos e traumas históricos. O diretor não usa esse cenário apenas como plano de fundo, mas sim como um personagem frio e melancólico, onde o silêncio e a neve escondem feridas profundas. A grande questão que fica é: Baramulla consegue amarrar tantos fios sensíveis sem desandar? Mergulhamos no coração gelado da Caxemira para descobrir.
Sinopse
A trama nos apresenta a DSP Ridwaan Shafi Sayyed (Manav Kaul), um capitão de polícia transferido para a isolada cidade de Baramulla em 2016, um período de alta tensão militante. Ele se muda para uma casa antiga e ruidosa com sua esposa, Gulnaar (Bhasha Sumbli), e os dois filhos, Noorie e Ayaan.
A missão de Ridwaan é investigar o misterioso desaparecimento de várias crianças locais, um caso que sua equipe suspeita estar ligado a sequestros para fins de militância. No entanto, o caso policial logo é engolido por eventos muito mais estranhos: na nova casa, a família é atormentada por fenômenos inexplicáveis—passos fantasmagóricos, flores brancas surgindo do nada e ecos de crianças.
O filme rapidamente borra as linhas entre a investigação racional e a assombração pessoal e coletiva. Ridwaan, que carrega o peso do Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) de uma operação anterior, precisa confrontar não apenas a militância e o clima de desconfiança da população, mas também os fantasmas de um passado que insiste em reivindicar seu preço, ligando as crianças desaparecidas e os eventos sobrenaturais à dor histórica e ao êxodo dos Pandits (a minoria hindu expulsa da região em 1990). A pergunta que move a narrativa é: o que é mais assustador, o terror que se manifesta em fantasmas ou o terror que é plantado no mundo real?
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Resenha crítica
O que Baramulla faz de melhor é construir uma atmosfera. Graças à cinematografia fria de Arnold Fernandes e a uma trilha sonora minimalista e inquietante do duo Shor Police, a sensação de isolamento e melancolia é palpável. O diretor Aditya Suhas Jambhale usa a paisagem nevada e as casas decrépitas de Baramulla, filmadas em locações reais, como uma espécie de claustrofobia gelada.
A obra lembra um Nordic Noir, com seu protagonista policial dedicado, porém danificado, imerso em dramas pessoais que inevitavelmente se fundem com a investigação, mas com o tempero único de uma tragédia cultural.
O horror aqui não depende de jumpscares baratos. Ele é construído em sugestões, silêncios incômodos e na constante ambiguidade entre o real e o sobrenatural. O filme confia na sua capacidade de sugerir que o trauma coletivo é a verdadeira assombração, tornando a experiência visceral e reflexiva.

A atuação silenciosa de Manav Kaul
O filme se apoia enormemente no ombro de Manav Kaul, e ele entrega uma performance soberba. Como DSP Ridwaan Sayyed, Kaul é a âncora emocional. Seu personagem é um homem consumido pela culpa, pelo luto e pelo dever. Ele é capaz de transmitir uma vulnerabilidade crua e uma determinação estoica através de sua postura contida e de seus silêncios.
A química com Bhasha Sumbli (Gulnaar) também funciona muito bem, adicionando uma camada de drama familiar crível, já que ela é a voz do medo e da fé em casa, enquanto ele tenta manter a racionalidade na rua. O elenco secundário cumpre seu papel, mas é inegável que Kaul sustenta o peso emocional e o ritmo da narrativa, sendo o principal motivo para “dar o play“.
O risco de misturar tantos gêneros
É aqui que Baramulla tropeça. A tentativa de fundir o thriller policial com o terror psicológico e, ainda por cima, com um subtexto político pesado, é ambiciosa, mas irregular. A crítica social do filme, que se propõe a refletir sobre os efeitos do deslocamento forçado e do conflito, focando no êxodo dos Pandits e na forma como a insurgência planta suas sementes na juventude, é louvável. Símbolos como as tulipas brancas (metáfora para o luto e a memória) e o foco nas tensões locais dão autenticidade.
Contudo, a narrativa perde o foco. O primeiro ato é tenso e imersivo, preparando o terreno de forma magistral. Mas, em vez de manter a sutileza, o filme apressa-se no clímax, sobrecarregando o espectador com exposições e twists que alguns consideram previsíveis.
A revelação que liga os fios da assombração ao trauma dos Pandits, embora emocionalmente carregada, parece apressada e, para alguns críticos, politicamente enviesada, sugerindo uma visão de “nós contra eles” que simplifica demais um conflito complexo. A obra atinge seu ápice em momentos de atmosfera, mas falha em manter a coesão do roteiro, deixando pontas soltas ou resoluções emocionais superficiais no final.
Conclusão
Baramulla não é um filme fácil, mas é inegavelmente impactante. É uma peça de cinema que ousa ir além do terror de superfície, usando o gênero como uma lente para examinar as feridas não curadas de uma nação.
O diretor Aditya Suhas Jambhale entrega uma obra visualmente hipnótica e densa, que brilha na sua capacidade de criar um sentimento de pavor ancorado na realidade histórica. Manav Kaul é a força motriz que nos faz perdoar as irregularidades do ritmo e os tropeços na execução do roteiro.
Se você busca sustos rápidos e uma trama linear, pode se frustrar com a lentidão reflexiva da primeira metade e o final apressado. Mas, para quem valoriza o terror atmosférico e psicológico que te obriga a pensar sobre o que está por baixo da neve – a culpa, a perda e o trauma coletivo – Baramulla é altamente recomendado. É uma joia indie do cinema indiano na Netflix que ecoa muito tempo depois de o crédito final subir.
Onde assistir ao filme Baramulla?
Trailer de Baramulla (2025)
Elenco de Baramulla, da Netflix
- Manav Kaul
- Bhasha Sumbli
- Arista Mehta
- Rohaan Singh
- Ashwini Koul
- Mir Sarvar
- Vikas Shukla















