Desde seu lançamento em 2013, “Invocação do Mal” catapultou para o estrelato os nomes de Ed e Lorraine Warren, tornando-se uma das franquias de terror mais lucrativas e aclamadas do cinema moderno. Os filmes, que já somam nove títulos com um décimo a caminho, prometem encerrar a saga principal em 2025.
Mas, afinal, quanto há de verdade por trás das aterrorizantes narrativas que nos prendem à cadeira? Uma análise aprofundada revela um fascinante emaranhado de fatos, lendas e um intenso debate sobre a credibilidade dos famosos investigadores paranormais.
Quem foram Ed e Lorraine Warren: investigadores paranormais ou charlatões?
Ed e Lorraine Warren foram, de fato, um casal que se dedicava à investigação de fenômenos paranormais. Lorraine, uma médium e clarividente, e Ed, um demonologista, fundaram em 1952 a Sociedade de Pesquisa Psíquica da Nova Inglaterra (NESPR), alegando ter investigado mais de 10 mil casos de casas mal-assombradas, possessões demoníacas e outras manifestações sobrenaturais ao longo de cinco décadas. Muitos de seus casos mais emblemáticos, como Amityville, Enfield e a família Perron, serviram de inspiração para a bem-sucedida franquia.
No entanto, a carreira dos Warren foi marcada por intenso ceticismo e controvérsias. Críticos e até outros investigadores paranormais os acusaram de serem “charlatães notórios” que perseguiam pessoas vulneráveis, atacavam-nas e capitalizavam seus traumas.
Alegações de fabricação e exagero de histórias, especialmente no caso Amityville, são frequentemente citadas como evidência. Além disso, acusações mais graves, como a de que Ed Warren teria tido uma escrava sexual menor de idade, vieram à tona, manchando a imagem “saudável e doce” retratada nos filmes.

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Os casos reais que inspiraram os filmes “Invocação do Mal”
A popularidade dos filmes “Invocação do Mal” reaqueceu o interesse por investigações paranormais e debates sobre fenômenos inexplicáveis. Contudo, é crucial entender a dramatização de Hollywood.
História real de “Invocação do Mal” (2013): o assombro da família Perron
O primeiro filme da franquia narra o caso da família Perron, que se mudou para uma antiga casa em Harrisville, Rhode Island, em 1970. O imóvel, conhecido como The Arnold Estate, tinha um histórico perturbador de mortes violentas, suicídios e lendas de bruxaria. As manifestações teriam começado de forma sutil — barulhos, objetos se movendo, sussurros — e evoluíram para eventos mais intensos, especialmente contra a matriarca Carolyn Perron, que se tornou alvo de uma entidade identificada como Bathsheba Sherman.
O que o filme mostra e o que Andrea Perron disse:
- Bathsheba Sherman: No filme, ela é retratada como uma bruxa satanista que se enforcou e possuía Carolyn. Na realidade, Bathsheba Sherman foi uma pessoa real que viveu na propriedade, acusada e absolvida de matar uma criança. Ela morreu de causas naturais na velhice e não se matou. Há quem afirme que Bathsheba nem morava na casa em questão. Além disso, pesquisadores apontam que não há evidências de que ela tenha se envolvido com bruxaria ou adoração a Satanás, e sua suposta maldade pode ter sido uma lenda criada pela família Perron.
- Envolvimento dos Warrens: Os Warrens foram chamados e realizaram sessões na casa. Andrea Perron, a filha mais velha, afirmou que a assombração durou três anos antes da chegada dos Warrens e que eles apareceram no meio da noite para realizar uma sessão espírita. Durante essa sessão, Carolyn teria sido supostamente “possuída” e Roger Perron (o pai) teria se irritado com os Warrens, chegando a dar um soco em Ed, expulsando-os da casa. Os Perron, no entanto, permaneceram na residência por mais sete anos, totalizando uma década.
- Exorcismo: Ao contrário do filme, Lorraine Warren negou que Ed tenha realizado um exorcismo, pois ele não tinha licença para isso. Andrea Perron também confirmou que o exorcismo nunca existiu, apenas uma sessão espírita que “deu muito errado”.
- Veracidade: Embora Andrea Perron continue afirmando que houve fenômenos sobrenaturais, ela também diz que a maior parte do filme é ficção. Algumas de suas irmãs podem discordar. A própria família Warren declarou que o filme é apenas “5% real”.
- Consequências para a casa: Os proprietários subsequentes da casa Perron nunca experimentaram nada. Na verdade, uma ex-proprietária se encarregou de refutar ativamente as alegações de assombração devido ao incômodo com curiosos. Os atuais proprietários, Cory e Jen Heinzen, e depois Jacqueline Núñez, compraram a casa para fins de negócios paranormais e tours.

A boneca Annabelle: brinquedo de pano ou demônio de porcelana?
A boneca Annabelle, famosa no prólogo de “Invocação do Mal” e com sua própria franquia de spin-offs, realmente existe, mas sua aparência é muito diferente da retratada no cinema. A Annabelle real é uma simples boneca Raggedy Ann, de pano, enquanto a do filme é uma assustadora boneca de porcelana.
O caso original e as controvérsias:
- As enfermeiras Donna e Angie: A história dos Warrens relata que em 1968, uma estudante de enfermagem, Donna, recebeu a boneca de presente. Ela e sua colega de quarto, Angie, teriam presenciado comportamentos estranhos, como a boneca mudando de lugar, levitando e se comunicando por bilhetes. Um amigo, Lou, teria sido atacado pela boneca. Uma médium informou que a boneca era habitada pelo espírito de uma menina morta chamada “Annabelle”.
- A intervenção dos Warrens: Ao serem contatados, os Warrens concluíram que não se tratava de um espírito humano, mas de um demônio manipulando a boneca para possuir uma alma humana. Eles a removeram para o seu Museu do Oculto, em Monroe, Connecticut, onde permanece em uma caixa de vidro trancada, abençoada por um padre.
- Ceticismo: A falta de fontes primárias de Donna, Angie ou Lou levanta dúvidas sobre a existência delas, sugerindo que os Warrens poderiam ter inventado as personagens. Joseph Laycock, professor de estudos religiosos, observa que a lenda de Annabelle é um “estudo de caso interessante na relação entre cultura pop e folclore paranormal”, e Sharon A. Hill, escritora de ciência, critica a cobertura sensacionalista, afirmando que muitos dos mitos foram “aparentemente feitos pelos próprios Warrens”. Ela sugere que “não temos nada além da palavra de Ed para isso”.
• Incidentes após a remoção: Os Warrens relataram que o carro deles se comportou de forma estranha ao levar Annabelle. A história de um jovem casal que desrespeitou a boneca no museu e sofreu um acidente fatal de motocicleta é frequentemente contada. Recentemente, Dan Rivera, pesquisador paranormal e responsável por transportar Annabelle em uma turnê, morreu inesperadamente, reacendendo as especulações.
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História real de “Invocação do Mal 2” (2016): o Poltergeist de Enfield
A sequência de “Invocação do Mal” foca no caso do Poltergeist de Enfield, que ocorreu no norte de Londres em 1977. Peggy Hodgson, uma mãe solteira, e seus quatro filhos, especialmente Janet, de 11 anos, foram o centro das atenções da mídia devido a fenômenos estranhos na casa, como móveis se movendo, barulhos e objetos voando.
Realidade vs ficção no Poltergeist de Enfield:
- O Início: A filha Janet Hodgson confirmou que os fenômenos começaram após uma brincadeira com um tabuleiro Ouija.
- Levitação e Possessão: Janet teria alegado levitar e ser possuída pelo espírito de Bill Wilkins, um homem que morreu na casa de hemorragia cerebral na sala de estar, informação confirmada pelo filho de Wilkins. No entanto, fotos de “levitação” foram desmascaradas como a criança pulando na cama. A voz masculina que Janet usava durante a “possessão” foi analisada por especialistas que notaram um vocabulário infantil e uma possível explicação fisiológica.
- Envolvimento dos Warrens: Ao contrário do filme, os Warrens fizeram apenas uma “visita de médico” a Enfield, permanecendo por apenas um dia e deixando o caso para outros investigadores. Maurice Grosse e Guy Lyon Playfair foram os principais investigadores.
- Fraude: Em 2012, Janet, já adulta, admitiu ter falsificado “cerca de 2%” dos acontecimentos paranormais para testar os especialistas. Outros investigadores também suspeitaram de fraude. Peggy Hodgson também admitiu ter mentido em algumas declarações para atrair mais mídia.
- Valak, a Freira Demônio: O demônio Valak, o principal antagonista do filme na forma de uma freira, não tinha nada a ver com o poltergeist de Enfield. Sua figura foi uma criação do diretor James Wan, inspirada em um relato de Lorraine Warren sobre um “vórtex de tornado com uma figura encapuzada” e a ideia de um ser que atacasse a fé dela. Na mitologia real, Valak é o 62º demônio do grimório “A Chave Menor de Salomão”, descrito como uma criança com asas de anjo montada em um dragão de duas cabeças.
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“A Freira” (2018) e “A Freira 2” (2023): a origem de Valak
Os filmes “A Freira” e “A Freira 2” exploram a origem do demônio Valak. Em 1952, na Romênia, o Padre Burke e a noviça Irmã Irene investigam o suicídio de uma freira em um mosteiro assombrado por Valak. A história do filme foi inspirada no livro “O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, e não diretamente nos relatos dos Warren.
A conexão entre Irmã Irene (Taissa Farmiga) e Lorraine Warren (Vera Farmiga, sua irmã na vida real) é uma teoria de fãs que “A Freira 2” acena, sugerindo uma relação de descendência de Santa Luzia, mas sem detalhar. A Lorraine Warren real não foi freira e casou-se com Ed em 1945, antes dos eventos dos filmes de “A Freira”.

História real de “Invocação do Mal 3: A Ordem do Demônio” (2021): o demônio me obrigou a fazer
Este filme é baseado no primeiro caso na história jurídica dos EUA em que uma possessão demoníaca foi usada como argumento de defesa em um julgamento por assassinato. Em fevereiro de 1981, Arne Cheyenne Johnson foi preso pelo assassinato de Alan Bono, seu senhorio, e alegou estar sob o controle de uma entidade.
Detalhes do caso Arne Cheyenne Johnson:
- A Possessão de David Glatzel: A possessão de Arne teria ocorrido durante um exorcismo de David Glatzel, cunhado de 12 anos de Arne, que apresentava claros sinais de possessão. Arne teria desafiado o demônio a possuí-lo para livrar a criança.
- O Julgamento: Ed e Lorraine Warren, que ministraram o ritual, chegaram a depor a favor de Arne. O advogado Martin Minella defendeu que “as cortes já lidaram com a existência de Deus. Agora, elas terão de lidar com a existência do Diabo”. Apesar da defesa, Arne foi condenado a 10 a 20 anos de prisão por homicídio em primeiro grau, sendo liberado após cinco anos por bom comportamento.

História real de “Invocação do Mal 4: O Último Ritual” (2025): a família Smurl
O próximo e derradeiro filme da saga se baseia no caso documentado pelos Warren em 1985, na Pensilvânia, envolvendo a família Smurl. Jack e Janet Smurl, que se mudaram para um duplex em West Pittston em 1976, teriam experimentado intensa atividade paranormal a partir de 1985.
Os fenômenos relatados:
- Incidentes: A família relatou gritos inexplicáveis, cheiros fortes, objetos se movendo sozinhos, o cachorro sendo arremessado contra a parede, e uma das filhas caindo da escada. Jack Smurl também declarou ter sido agredido sexualmente por uma entidade.
- Diagnóstico dos Warrens: Os investigadores paranormais concluíram que a casa estava sob influência de quatro presenças: uma mulher idosa, uma jovem com potencial para violência, um homem que morreu na residência e um demônio que manipulava os outros três espíritos para atacar a família.
- Tentativas de Solução: Após duas tentativas de exorcismo fracassadas e a repercussão na mídia, um padre local afirmou ter afastado a presença com orações intensas. No entanto, Janet Smurl ainda relatou ouvir batidas e ver sombras em 1987. A família se mudou para outra cidade em 1988.

O legado controverso dos Warren e a indústria do horror
Apesar do sucesso de bilheteria e do fascínio que os filmes despertam, a verdade sobre os casos dos Warren permanece um terreno nebuloso, onde a fé e a razão se confrontam. A própria Andrea Perron e outros envolvidos nos casos afirmam que grande parte do que é retratado nos filmes é ficção e exagero. A indústria cinematográfica, ciente do apelo do “baseado em fatos reais”, frequentemente se utiliza dessa premissa para criar um senso de autenticidade, mesmo que a distância da realidade seja considerável.
Os filmes de “Invocação do Mal” são, essencialmente, “propaganda religiosa” para alguns críticos, que acusam a franquia de desculpar atrocidades da vida real ao retratar os Warrens como heróis infalíveis. A constante dramatização e a liberdade criativa transformam relatos muitas vezes ambíguos ou céticos em espetáculos de horror, onde demônios, possessões e milagres são inquestionáveis.
Enquanto Ed e Lorraine Warren são lembrados como os “exorcistas/caçadores de fantasmas mais famosos do mundo”, seu legado é tão assombrado por acusações de charlatanismo quanto pelos demônios que alegaram combater. A fronteira entre o que é real e o que é ficção no “Invocaverso” é fluida, deixando para o público o desafio de decidir em que acreditar. É um lembrete vívido de que, às vezes, a crença no sobrenatural é tão poderosa quanto a própria realidade que a sustenta.