Há algo inerentemente inquietante nos thrillers psicológicos, e “Uma Mulher Comum” (A Normal Woman), o mais recente filme internacional da Netflix, domina essa sensação com maestria.
O longa-metragem indonésio, dirigido por Lucky Kuswandi e estrelado por Marissa Anita, oferece uma premissa arrepiante: a de que as vidas meticulosamente construídas e as próprias identidades que habitamos são muito mais frágeis do que imaginamos.
É uma descida angustiante ao abismo da paranoia e da alienação, embalada em uma estética visualmente perturbadora e uma crítica social afiada que ressoa muito além das fronteiras de Jacarta.
Sinopse
“Uma Mulher Comum” nos apresenta Milla, uma socialite de Jacarta cuja existência aparentemente impecável começa a desmoronar. Casada com um homem influente e vivendo em um império de luxo com a sogra e a filha, Angel, Milla encarna a perfeição da elite.
No entanto, sua fachada de normalidade se estilhaça quando ela desenvolve uma doença misteriosa e não diagnosticada. Essa aflição física se torna o catalisador para uma crise de identidade profunda, que se intensifica com a ineficácia dos médicos e o colapso do apoio familiar.
Forçada a confrontar a realidade inquietante de um corpo e uma vida que não parecem mais seus, Milla é impelida a sabotar ativamente o que resta de sua “vida perfeitamente ‘comum'”, embarcando em um caminho destrutivo que questiona: quem somos nós sem a validação da saúde, da família e da posição social?
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Crítica
“Uma Mulher Comum” é um thriller psicológico que se infiltra sob a pele, provocando desconforto e reflexão. Sua força reside em uma combinação potente de direção autoral, atuação primorosa e uma temática universalmente relevante, tudo isso enquanto explora um terreno muitas vezes tabu na Indonésia.
A sinergia entre autor e atriz
O coração pulsante de “Uma Mulher Comum” é a parceria criativa entre Lucky Kuswandi e Marissa Anita. Kuswandi, um diretor cujos trabalhos anteriores foram aclamados em festivais de prestígio como Cannes e Berlim, é conhecido por sua abordagem crítica e por desvendar temas sensíveis como sexualidade, classe social e marginalização. Sua filmografia é um testemunho de um cineasta atraído por críticas sociais complexas.
Marissa Anita, por sua vez, traz um rigor intelectual notável para sua arte. Sua transição do jornalismo televisivo para o cinema infundiu em sua atuação uma profundidade de pesquisa e uma seletividade que a distinguem. A atriz, que incorpora uma “consciência feminista” em seus papéis, já foi agraciada com o Citra Award, a maior honra cinematográfica da Indonésia.
A colaboração entre Kuswandi e Anita, que se estende por vários filmes, culmina em “Uma Mulher Comum”, onde o talento do diretor para o comentário social sutil encontra o dom da atriz para encarnar personagens femininas complexas em sua plenitude. A transformação de Milla, de nora submissa a uma mulher à beira da loucura, é cativante e aterrorizante, e Marissa Anita a entrega com uma presença magnética que sustenta todo o filme.

Um diagnóstico da ansiedade moderna
Embora a história de Milla esteja profundamente enraizada no ambiente cultural da elite de Jacarta, suas preocupações temáticas são assustadoramente universais. A premissa de uma mulher alienada por uma doença inexplicável inevitavelmente evoca comparações com “Mal do Século” (1995), de Todd Haynes, outra obra que utilizou uma aflição misteriosa como metáfora para uma crise de identidade e um mal-estar social.
Em um mundo moldado por ansiedades globais recentes, “Uma Mulher Comum” se torna particularmente ressonante. Ele explora com maestria uma consciência coletiva que lida com ameaças invisíveis, o medo da contaminação e uma crescente desconfiança nos sistemas estabelecidos.
A busca desesperada de Milla por curas alternativas, à medida que é rejeitada por sua família e pelo sistema médico, espelha uma paranoia cultural mais ampla. Ao enraizar esses medos globalmente inteligíveis em um contexto indonésio distinto, o filme executa uma sofisticada estratégia “glocal”, criando uma narrativa que é tanto culturalmente específica quanto universalmente acessível.
O filme questiona o que significa ser “normal” em uma sociedade obcecada por aparências e nos convida a refletir sobre os efeitos da repressão emocional e do silenciamento de traumas.
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Horror corporal e crítica social
“Uma Mulher Comum” não se esquiva de elementos de horror, especialmente no que tange ao horror corporal. A repulsa e o desconforto gerados pelas cenas de Milla agredindo a própria pele são intensos e eficazes.
Não é um filme para os facilmente impressionáveis, e a forma como o desconforto físico de Milla se manifesta visualmente é um dos pontos altos do filme, garantindo que ele “nocauteie” o espectador. Embora possa ser debatido se o filme é “body positive”, é inegável que o mal-estar provocado pela deterioração física da protagonista é visceral e memorável.
A crítica social presente no filme é incisiva e direta, especialmente no que diz respeito às pressões sofridas pelas mulheres. No entanto, um dos pontos que pode gerar debate é a forma como o filme aborda o conflito “mulher contra mulher”.
Embora contribua para o desconforto da personagem principal, a presença de uma subtrama de vingança pode ser vista como um clichê, ofuscando a mensagem principal de empoderamento feminino. Além disso, o tropo da “mulher com doença mental desconhecida que age de forma desequilibrada” é bastante usado, mas o filme consegue se destacar no cenário de thrillers indonésios por sua abordagem mais contemporânea e menos datada.
A produção de “Uma Mulher Comum” também merece destaque. Sendo o primeiro projeto que Kuswandi dirigiu para a Netflix sob sua própria produtora, Soda Machine Films, o filme representa um novo nível de controle autoral para o diretor e sinaliza uma estratégia de investimento amadurecida da Netflix em cineastas locais estabelecidos.
A qualidade da produção é reforçada por um elenco formidável, que inclui nomes como Dion Wiyoko e Widyawati Sophiaan. O roteiro, coescrito por Kuswandi e Andri Chung, oferece uma base sólida para esta visão polida e artisticamente unificada.
Conclusão
“Uma Mulher Comum” é, em sua essência, uma história complexa que aborda um assunto considerado tabu no contexto indonésio, servindo como um espelho para muitos que podem estar presos em vidas que nunca desejaram viver. Apesar de alguns pontos que podem gerar ressalvas, como a forma como certos clichês são utilizados, o filme é inegavelmente importante por sua crítica social incisiva e por expandir o escopo do cinema indonésio para além dos gêneros mais comuns.
Com atuações mais realistas e matizadas do que as performances frequentemente intensificadas vistas em outros filmes indonésios, “Uma Mulher Comum” se destaca. A beleza de Marissa Anita em seus trajes luxuosos contrasta assustadoramente com sua transformação gradual, tornando sua atuação ainda mais potente. É uma experiência reflexiva que ressoa muito depois que os créditos finais rolam, lembrando-nos que, por trás de cada rosto elegante e cada vida aparentemente perfeita, pode existir um turbilhão de dores ocultas.
Para quem busca um drama psicológico denso, que aborda questões existenciais, saúde mental e traumas de forma realista, “Uma Mulher Comum” é uma recomendação sólida. Com uma atmosfera que equilibra o suspense com toques de horror corporal, o filme é bem elaborado e oferece uma experiência de cinema mundial que provoca e instiga a reflexão.
É uma história sobre reencontros – com o passado, com a própria alma e com aquilo que realmente importa. Embora possua suas falhas, é um filme interessante e digno de ser assistido, especialmente para aqueles que apreciam o poder do cinema em desvendar as complexidades da condição humana.
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Assista ao trailer de Uma Mulher Comum (2025)
Elenco do filme Uma Mulher Comum, da Netflix
- Marissa Anita
- Dion Wiyoko
- Gisella Anastasia
- Widyawati
- Mima Shafa
- Sari Koeswoyo
- Maya Hasan
- Hatta Rahandy