O thriller psicológico indonésio “Uma Mulher Comum” (A Normal Woman), disponível na Netflix, culmina em um desfecho que é tão ambíguo quanto catártico, desvendando as camadas de uma vida construída sobre enganos e expectativas sociais.
A narrativa, que acompanha a socialite Milla em sua descida a uma crise de identidade desencadeada por uma doença misteriosa, oferece uma reflexão pungente sobre as pressões impostas às mulheres e a busca pela verdadeira liberdade
A revelação da verdade
O ponto central do final do filme reside na chocante descoberta da verdadeira identidade de Milla. As visões perturbadoras de uma menina coberta de sangue e cacos de vidro, que a chama de “Grace”, não são meras alucinações; são memórias reprimidas de seu próprio passado.
Milla, na verdade, é Grace Camilla. Ela sofreu um terrível acidente na infância, onde um espelho caiu sobre ela, desfigurando seu rosto. Sua mãe, Novi, viu no incidente uma oportunidade para ascensão social. Aproveitando-se da amnésia traumática de Grace, Novi submeteu-a a uma cirurgia reconstrutiva para torná-la “bonita” e, em seguida, a reinventou como Milla, orquestrando seu casamento com o rico e influente Jonathan Gunawan.
A misteriosa “doença” de Milla – uma erupção cutânea que coça incessantemente, acompanhada de visões – é, na verdade, uma manifestação psicossomática. É o corpo de Milla rejeitando fisicamente a persona imposta, uma externalização do estresse e da mentira que ela vivia. O único caminho para a cura, como o filme sugere, é a fuga e a rejeição completa dessa vida forjada.
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O jogo de Erika: ambiciosa e sem altruísmo
Erika, uma maquiadora que convenientemente surge na vida de Milla e se apresenta como uma amiga de infância de Grace, desempenha um papel crucial no desvendamento do passado, embora suas motivações não sejam altruístas. Vinda de uma família pobre, Erika sempre sonhou com a vida de luxo que Milla acabou vivendo, associando beleza e poder ao dinheiro. Ela vê na crise de Milla a oportunidade de tomar seu lugar.
Erika se insinua na família Gunawan, conquistando a confiança de Liliana (a sogra de Milla) e flertando com Jonathan. Ela revela a verdade sobre Milla para Jonathan e Liliana, não para ajudar Milla, mas para substituí-la. Ao final, é implícito que Liliana deseja que Erika se case com Jonathan, solidificando sua posição na família e garantindo o restabelecimento da reputação e dos negócios dos Gunawan. Erika chega a mimetizar a pose de Milla em um grande retrato de família, simbolizando sua ascensão ao posto que cobiçava.
A rebelião e fuga de Milla
No clímax, Milla decide que a única forma de se curar é abandonar a vida opressiva que a aprisionava. Durante a festa de aniversário de sua sogra, Liliana, Milla faz um gesto simbólico e poderoso: ela veste Erika com seu próprio vestido e seu colar favorito, como se passasse o bastão, desafiando-a a assumir a vida que tanto desejava.
Em um ato de derradeira rebelião contra sua mãe, Novi, que tentava impedi-la de partir e cobrava o “investimento” em sua beleza, Milla pega uma tesoura e, num gesto impactante, corta o próprio rosto.
Este ato não é uma automutilação sem sentido; é uma declaração, uma rejeição violenta da “idealização de beleza” imposta por sua mãe e da ideia de que sua aparência é a coisa mais importante sobre ela. No confronto final, Milla joga Novi contra um espelho, em um momento tematicamente carregado, que a deixa inconsciente, permitindo a fuga de Milla.
Milla escapa na caçamba do caminhão de Hatta, escondida entre resíduos de jardim, partindo em direção a Surabaya.
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Sonho ou realidade: a ambiguidade do final de ‘Uma Mulher Comum’
O final de “Uma Mulher Comum” deixa uma ponta de ambiguidade sobre a realidade da fuga de Milla. Enquanto ela se afasta no caminhão de Hatta, o filme apresenta visões de Milla em um campo, vestindo roupas tradicionais indonésias, feliz e com suas cicatrizes curadas.
Há argumentos que sugerem que essas cenas representam o futuro real de Milla:
- A cicatriz que Milla fez em seu rosto ainda é visível nas visões, mas está curada, o que sugere que o tempo passou e que essas cenas são do futuro, e não meras fantasias. Isso implica que ela está se curando tanto por dentro quanto por fora;
- A partida de Milla é construída sobre cenas intensas e a promessa de Hatta de levá-la em segurança, o que aponta para uma fuga real;
No entanto, o filme também insinua a possibilidade de ser uma alucinação:
- Há uma transição de “white-out” entre a saída de Milla da casa e sua entrada no caminhão, um recurso frequentemente usado para indicar uma sequência de sonho;
- Após Milla se esconder no caminhão, não há interação visível entre ela e Hatta, e a transição para ela deitada é abrupta.
Ainda assim, a interpretação predominante é que Milla consegue sua liberdade. Ela vai para uma vida mais simples no interior, uma vida livre que sempre desejou, longe do luxo e das expectativas sufocantes de seu passado.
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A escolha de Angel e o destino de Novi
A relação de Milla com sua filha, Angel, é crucial no final. Apesar do desejo de Milla de que Angel a acompanhe, a menina escolhe ficar para trás, alegando que sua vida inteira foi urbana e que o retorno ao vilarejo não seria “normal” para ela.
Essa decisão de Angel é apresentada como um contraste com a história de Milla e Novi: Angel decide forjar seu próprio caminho, sem se prender aos padrões impostos por gerações. Ela demonstra uma confiança recém-adquirida em sua capacidade de enfrentar os desafios, inclusive os comentários sobre sua aparência, um reflexo do que Milla conseguiu incutir nela. Milla, diferentemente de Novi, respeita a agência de sua filha.
Quanto a Novi, embora ferida ao ser jogada contra o espelho, não parece ser um ferimento fatal, conforme a cuidadora Irah assegura. No entanto, a fuga de Milla certamente encerra a vida de luxo e lazer de Novi, que provavelmente perderá sua casa e enfrentará as consequências de suas ações.
O significado do título ‘Uma Mulher Comum’
O título do filme, “Uma Mulher Comum”, é irônico, dado as circunstâncias incomuns da protagonista. Contudo, ele se revela um comentário mordaz sobre a “normalidade” das pressões e abusos sofridos pelas mulheres na sociedade. O tratamento que Milla recebe de sua sogra, Liliana, as expectativas de perfeição e o desdém de Jonathan quando Milla começa a adoecer são, infelizmente, “normais” dentro de um “mundo de homens”.
O filme, portanto, não é apenas a história de uma mulher; é um “diagnóstico da ansiedade moderna”, explorando medos globais sobre ameaças invisíveis e a desconfiança em sistemas estabelecidos, tudo enraizado em um contexto indonésio específico, mas com ressonância universal.
Em última análise, o final de “Uma Mulher Comum” celebra a libertação pessoal de Milla, mostrando que a verdadeira felicidade reside na capacidade de fazer as próprias escolhas e ser fiel a si mesma, mesmo que isso signifique abandonar uma vida de aparente perfeição. É uma poderosa mensagem sobre resiliência e a busca pela autenticidade em um mundo que muitas vezes exige conformidade.
Assista ao trailer de Uma Mulher Comum (2025)
Elenco do filme Uma Mulher Comum, da Netflix
- Marissa Anita
- Dion Wiyoko
- Gisella Anastasia
- Widyawati
- Mima Shafa
- Sari Koeswoyo
- Maya Hasan
- Hatta Rahandy
Há quanto tempo não vejo um texto tão bem escrito! Uma leitura limpa e com termos bem colocados para nossa compreensão e crítica do filme. Parabéns à autora.