A película argentina “27 Noites”, dirigida e estrelada por Daniel Hendler, inspira-se na realidade cruel ao explorar as múltiplas nuances da internação compulsória de Martha Hoffman (Marilú Marini) por suas próprias filhas, sob suspeita de demência.
O filme desafia nossa compreensão sobre etarismo e autonomia durante a velhice, em um comovente caso baseado em uma história real.
Sinopse
Após 27 noites internada de forma compulsória em uma clínica de acolhimento e tratamento psicossocial, a excêntrica Martha Hoffman, uma idosa atrevida de 83 anos, se vê em uma batalha judicial contra as próprias filhas, em busca de sua liberdade individual. Martha é mantida sob vigilância em sua casa, longe dos amigos e destituída de seu modo de vida.
Ela depende do parecer de Cassares, médico psiquiatra — um homem recluso, em isolamento social e imerso no próprio trabalho — que, durante o diagnóstico de Martha, transforma o próprio comportamento ao se deparar com questionamentos sobre a loucura e a liberdade individual diante da singularidade de Martha Hoffman.
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Crítica
27 Noites é um daqueles filmes que conseguem tratar de temas delicados com leveza, sem se tornarem banais. A história gira em torno de Martha, vivida com intensidade por Marilú Marini, uma mulher octogenária que, depois de ser internada à força por suas filhas, precisa provar que ainda é dona da própria vida. O enredo, que poderia facilmente cair no drama pesado, escolhe o caminho oposto: aposta na ironia, na empatia e nas pequenas situações cotidianas para questionar o que significa envelhecer com dignidade e autonomia.
Daniel Hendler, que também dirige e interpreta Leandro — o perito designado para avaliar Martha —, constrói um filme de observação, em que o humor aparece nas frestas do desconforto. A relação entre os dois personagens vai desmontando preconceitos e revelando o quanto a sanidade pode ser uma construção social.
Leandro começa distante, frio e burocrático, mas, aos poucos, se deixa afetar por aquela mulher que, apesar da idade e da excentricidade, enxerga a vida com uma clareza que os mais jovens parecem ter perdido.
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Alternância de tempo
A narrativa alterna presente e lembranças, criando um fluxo suave que prende o espectador sem pressa. As cenas em Buenos Aires são cheias de vida, filmadas com tons quentes e uma câmera que observa de perto, sem ser invasiva. Há um equilíbrio raro entre o naturalismo da direção e o afeto que sustenta cada cena — como se o filme respirasse junto com seus personagens.
O elenco coadjuvante reforça essa harmonia. As filhas de Martha, interpretadas por Julieta Zylberberg e Paula Grinszpan, dão corpo ao dilema entre o cuidado e o controle, retratando uma geração que confunde proteção com posse. Carla Peterson e Humberto Tortonese completam o conjunto, oferecendo contrapontos mais racionais e ajudando a construir o universo que tenta limitar a protagonista — e falha, justamente porque Martha se recusa a caber nas molduras que a cercam.
Ainda assim, 27 Noites não idealiza sua protagonista. Martha é teimosa, provocadora, impulsiva — e é aí que reside sua humanidade. O filme entende que a lucidez não é sinônimo de docilidade, e que a rebeldia também é uma forma de saúde. Mas há um ponto em que a narrativa escorrega: a presença dos amigos libertinos de Martha, figuras que representam um hedonismo vazio, acaba destoando do tom sensível do restante da obra.
Seus hábitos autodestrutivos, ligados a vícios e excessos, são mostrados de modo ambíguo, quase como se a desordem fosse uma forma de liberdade. Essa visão, embora compreensível dentro do contexto da personagem, pode gerar uma falsa ideia de autonomia — quando, na verdade, esses comportamentos aprisionam outras formas de dependência, verdadeiramente retirando o indivíduo de sua liberdade e o despojando de sua autonomia.

A vivência plena
O mérito de Hendler é abordar esses contrastes sem moralismo, mas também sem condescendência. 27 Noites observa, escuta e deixa que o público tire suas próprias conclusões sobre o que é viver plenamente — e o que é apenas tentar escapar da realidade.
Além do drama íntimo, o filme toca em um tema ainda mais profundo: o etarismo, essa forma sutil e persistente de exclusão que transforma o envelhecimento em sinônimo de perda. A história de Martha escancara o modo como a sociedade insiste em infantilizar os idosos, negando-lhes o direito de errar, de sentir desejo, de buscar prazer ou até de tomar decisões equivocadas.
A internação forçada, justificada como “proteção”, revela a face mais dura desse preconceito: o medo da velhice projetado sobre o outro. 27 Noites devolve a esses corpos e mentes envelhecidos algo que lhes é constantemente roubado — o direito de serem complexos, contraditórios e livres.
Conclusão
Mesmo com alguns tropeços pontuais, o filme convence. A força está na simplicidade com que trata temas densos: envelhecimento, autonomia, saúde mental e os limites da sanidade. Marilú Marini domina a tela com uma presença magnética, transformando o que poderia ser apenas uma história sobre perda em um relato de resistência. Sua Martha é, ao mesmo tempo, vulnerável e indomável — e é justamente essa mistura que a torna inesquecível.
Mais do que uma crítica à forma como tratamos os mais velhos, 27 Noites é um lembrete de que a lucidez também nasce do caos, e que a liberdade — em qualquer idade — raramente é bem-comportada. O filme nos convida a olhar o envelhecimento não como um declínio, mas como uma nova forma de consciência, talvez a mais honesta de todas.
Onde assistir ao filme 27 Noites?
O filme “27 Noites” está disponível para assistir na Netflix.
Veja o trailer de 27 Noites (2025)
Quem está no elenco de 27 Noites, da Netflix?
- Daniel Hendler
- Marilú Marini
- Humberto Tortonese
- Julieta Zylberberg
- Paula Grinszpan
- Carla Peterson
















