‘Simón de la Montaña’ e a luta por pertencer em um mundo hostil
Wilson Spiler15/12/20243 Mins de Leitura9 Visualizações
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“Simón de la Montaña”, filme do diretor argentino Federico Luis, é uma jornada complexa da identidade humana, ambientada nos vastos e desolados cenários da Patagônia.
A trama conduz o espectador a um universo onde a neurodiversidade, os dilemas familiares e a busca por pertencimento colidem em uma narrativa repleta de ambiguidade moral e emocional. Com uma atuação arrebatadora de Lorenzo “Toto” Ferro, o filme vai além dos clichês sobre inclusão e desafia nossas noções de autenticidade e aceitação.
Simón (Toto Ferro) é um jovem de 21 anos que vive em uma pequena e isolada cidade da Patagônia com sua mãe (Laura Nevole) e o namorado dela (Agustín Toscano). Enigmático e introspectivo, ele se sente deslocado tanto em casa quanto no mundo exterior.
Para fugir da monotonia e do desconforto, Simón começa a frequentar um centro de recreação para jovens com deficiência cognitiva, onde encontra amizade e acolhimento. No entanto, para se inserir nesse ambiente, ele decide fingir ter uma deficiência, criando uma persona que mistura gesticulações nervosas e dificuldades de fala.
Essa mentira, ao mesmo tempo que lhe traz momentos de conforto, gera tensões e levanta questões éticas e emocionais que permeiam o filme.
A força de “Simón de la Montaña” reside na ambiguidade moral que permeia cada decisão do protagonista. Ao mesmo tempo em que sentimos empatia por Simón, suas ações nos incomodam. O roteiro de Federico Luis e Agustín Toscano se equilibra entre a crítica à exclusão social e a exploração da atuação como forma de resistência ou sobrevivência.
Lorenzo Ferro entrega uma atuação multifacetada, onde o desconforto e o desejo de conexão coexistem em cada olhar ou gesto. Sua interpretação confere uma autenticidade desarmante ao personagem, especialmente nas cenas compartilhadas com Pehuén (Pehuén Pedre) e Kiara (Kiara Supini), dois jovens neurodivergentes que acolhem Simón com carinho e cumplicidade, mesmo sabendo da farsa.
O filme também se destaca por sua abordagem respeitosa e realista da neurodiversidade. Ao contrário de produções que romantizam ou infantilizam personagens com deficiência, “Simón de la Montaña” opta por uma visão mais crua e tridimensional, onde todos possuem defeitos, desejos e motivações humanas. Essa escolha narrativa desafia o espectador a confrontar seus próprios preconceitos e expectativas.
Visualmente, o filme aposta na austeridade, com paisagens patagônicas que refletem a solidão e o isolamento emocional de Simón. A construção sonora, especialmente o uso do vento e dos ruídos do aparelho auditivo, intensifica a imersão no mundo sensorial do protagonista, um detalhe que demonstra o cuidado técnico da produção.
No entanto, a narrativa não escapa de algumas armadilhas. A linearidade do roteiro, por vezes, impede o espectador de explorar interpretações mais amplas ou questionar as motivações dos personagens. Além disso, a figura da mãe, interpretada por Laura Nevole, é apresentada de maneira excessivamente unidimensional, o que enfraquece a dinâmica familiar que poderia ser mais complexa e rica.
“Simón de la Montaña” é um filme corajoso que aborda questões difíceis com sutileza e sensibilidade. Mais do que uma história sobre inclusão, é uma reflexão sobre a fragilidade da identidade e os limites entre a verdade e a atuação.
Embora não seja isento de falhas, a produção marca uma estreia promissora para Federico Luis e reforça o talento de Lorenzo Ferro como um dos atores mais intrigantes de sua geração. Ao final, o filme deixa no ar uma pergunta poderosa: até que ponto somos capazes de reinventar quem somos para encontrar nosso lugar no mundo?
Formado em Design Gráfico, Pós-graduado em Jornalismo e especializado em Jornalismo Cultural, com passagens por grandes redações como TV Globo, Globonews, SRZD e Ultraverso.