Wilson Spiler23/05/20255 Mins de Leitura12 Visualizações
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“Feliz Segunda(s)”, dirigido por Chakorn Chaiprechamore, é um filme tailandês que parte de uma premissa clássica e popular: o protagonista preso em um loop temporal. A narrativa promete humor, romance e uma lição sobre maturidade, mas entrega uma obra irregular, que alterna entre o riso fácil e um dramalhão moralista que pesa mais do que deveria.
Com um elenco carismático e situações inicialmente cômicas, o filme acaba tropeçando nas próprias ambições, estendendo-se além do necessário e deixando questões importantes sem explicação.
Earth (Oabnithi Wiwattanawarang) é um estudante universitário preguiçoso, que ainda não conseguiu se formar, enquanto vê seus amigos superando essa etapa da vida. Apaixonado por Saimai (Punpreedee Khumprom Rodsawat), ele descobre que ela precisa tirar nota máxima numa prova para conquistar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos.
Desesperado para ajudá-la e ganhar sua atenção, Earth recorre a um ritual espiritual conduzido por seu colega Rak (Chatchawit Techarukpong). A única regra: não beber álcool após o ritual.
Como era de se esperar, Earth quebra a regra e, ao acordar, descobre-se preso no mesmo dia — segunda-feira, 1º de abril (curiosamente, o Dia da Mentira no Brasil) — revivendo-o incessantemente.
Aproveitando a situação, ele decide fazer o que quiser, convencido de que não sofrerá consequências. No entanto, ao alterar a nota de Saimai ilegalmente, o feitiço se desfaz e Earth é forçado a enfrentar a realidade e lidar com o caos que ele próprio criou.
“Feliz Segunda(s)” recorre a um recurso narrativo já bastante explorado no cinema: o loop temporal. Embora a referência inevitável seja “Feitiço do Tempo” (1993), o filme tenta apresentar uma abordagem própria, adaptada ao contexto cultural tailandês. Entretanto, falha em um ponto crucial: não se preocupa em oferecer explicações minimamente satisfatórias para os elementos fantásticos que apresenta.
Por que Earth ficou preso nesse loop? O ritual foi mesmo o responsável? E o que, exatamente, rompeu o ciclo? Essas perguntas ficam sem resposta, deixando a sensação de que o roteiro, assinado por cinco pessoas, preocupou-se mais com o moralismo final do que com a coesão interna da narrativa. Esse descuido prejudica a suspensão de descrença do espectador.
Do humor despretensioso ao melodrama excessivo
O filme começa bem: é divertido, ágil, com piadas e situações típicas da comédia juvenil. Earth é um anti-herói clássico, desleixado e carismático, que quebra a quarta parede e nos conduz por sua rotina absurda, repleta de pequenas tragédias diárias — fogo, chuva, ser passado para trás pelo rival Tae (Poon Mitpakdee).
No entanto, após o rompimento do loop, o tom muda drasticamente. O que era leve e engraçado torna-se sombrio e melodramático: perseguições, ameaças de agiotas, agressões físicas, exposição pública e uma espiral de culpa e arrependimento.
Esse contraste, típico de algumas produções asiáticas, não é bem equilibrado aqui, tornando o segundo ato excessivamente pesado e arrastado. Os 128 minutos de duração são um fardo, e uma boa parte poderia ter sido enxugada sem prejuízo para a mensagem.
O protagonista e sua difícil redenção
Earth é um personagem que transita da imaturidade absoluta à tentativa de redenção, mas a transição é brusca demais para ser convincente. O roteiro parece querer transformar um irresponsável hedonista em um modelo de responsabilidade e altruísmo, mas o faz sem nuances, quase como se fossem duas pessoas diferentes.
O espectador é levado a acompanhar suas tentativas desastradas de conquistar Saimai, suas escolhas egoístas durante o loop — como trapacear em apostas ou sabotar o rival — e, depois, seu arrependimento forçado quando percebe que as consequências são reais e irreparáveis. O problema é que essa mudança soa artificial, apressada e pouco orgânica.
Personagens carismáticos, mas subaproveitados
Um dos grandes trunfos de “Feliz Segunda(s)” está no elenco. Rak, interpretado com charme por Chatchawit Techarukpong, é o típico amigo leal que, apesar de suas crenças espirituais, serve como âncora racional para Earth. Sua presença é acolhedora e poderia ter sido mais explorada, especialmente na segunda metade do filme, quando se distancia do protagonista após a tragédia com sua namorada.
Já Saimai é uma personagem que desperta dúvidas: teria dado falsas esperanças a Earth ou sempre foi clara quanto à sua falta de interesse? O roteiro não esclarece, mas sua decisão final de seguir a vida ao lado de Tae, partindo para a França, reforça sua autonomia e quebra a ideia clássica da mocinha que espera pelo protagonista.
Reflexões sobre maturidade, mas de forma superficial
No fundo, “Feliz Segunda(s)” quer ser uma parábola sobre crescimento pessoal, responsabilidade e as consequências inevitáveis das escolhas que fazemos. Earth é, simbolicamente, um “Earth” — Terra — que precisa sair do ciclo vicioso da imaturidade e aceitar que o mundo não gira ao seu redor.
Porém, apesar da boa intenção, o filme entrega sua moral de forma simplista e pouco impactante. A confissão pública de Earth, seu retorno à família, e sua aceitação do fim da amizade com Rak e do amor não correspondido por Saimai são resoluções que poderiam ser emocionantes, mas acabam diluídas pela condução melodramática e pela falta de sutileza.
“Feliz Segunda(s)” é um filme que começa com potencial: divertido, espirituoso e com uma premissa que, mesmo não sendo original, sempre oferece boas possibilidades. No entanto, peca por não aprofundar os aspectos mais interessantes de sua narrativa, falha ao não explicar elementos essenciais da trama e se perde na tentativa de transformar um conto cômico em um drama moralizante.
Ainda assim, é uma obra simpática, com boas atuações e um olhar interessante sobre a juventude tailandesa e suas angústias. Talvez agrade a um público mais jovem, que busca entretenimento leve e alguma reflexão sobre amadurecimento, mas para quem espera uma narrativa mais coesa e bem desenvolvida, pode ser uma experiência frustrante.
Formado em Design Gráfico, Pós-graduado em Jornalismo e especializado em Jornalismo Cultural, com passagens por grandes redações como TV Globo, Globonews, SRZD e Ultraverso.