Crítica da série minissérie O Monstro de Florença, da Netflix (2025)

‘O Monstro de Florença’ desvia da abordagem sensacionalista e oferece novas reflexões sobre o caso

Foto: Netflix / Divulgação
Compartilhe

O caso d’O Monstro de Florença, uma série de duplos homicídios que aterrorizou a Toscana entre 1968 e 1985, é um dos mais célebres e perturbadores mistérios criminais não resolvidos da Itália. A minissérie dirigida por Stefano Sollima e coescrita com Leonardo Fasoli que chega à Netflix evita a crônica policial tradicional para se embrenhar em um terreno mais viscoso: a origem do mal em uma sociedade patriarcal e arcaica.

Ao invés de buscar a identidade definitiva do serial killer, a produção usa o caso, e em especial a menos explorada “pista sarda”, como um bisturi para dissecar as patologias sociais da Itália de província dos anos 60, 70 e 80. A série não promete respostas, mas oferece uma jornada hipnótica e profundamente desconfortável no coração das trevas da vida familiar e comunitária.

➡️ Frete grátis e rápido! Confira o festival de ofertas e promoções com até 80% OFF para tudo o que você precisa: TVs, celulares, livros, roupas, calçados e muito mais! Economize já com descontos imperdíveis!

Sinopse

A narrativa se concentra inicialmente no duplo homicídio de 1968 em Lastra a Signa: Barbara Locci (Francesca Olia) e seu amante, Antonio Lo Bianco. O filho de Barbara, Natalino (Samuel Fantini), dormia no carro e foi poupado. O marido de Barbara, Stefano Mele (Marco Bullitta), é rapidamente condenado pelo crime, motivado por ciúmes.

No entanto, em 1982, um novo casal é brutalmente assassinado nas colinas toscanas com a mesma arma usada em 1968 – uma pistola calibre .22. Abalada por essa conexão balística, a polícia retoma o caso de 1968, focando na chamada Pista Sarda, que envolve o círculo social de Barbara Locci, composto por imigrantes da Sardenha. A série dedica cada um dos seus quatro episódios a um suspeito-chave: Stefano Mele e seu irmão, Giovanni, e os irmãos Francesco Vinci e Salvatore Vinci (Valentino Mannias), ambos ex-amantes de Barbara.

A trama, de forma não-linear, revisita o mesmo crime sob múltiplas perspectivas, revelando as tensões, mentiras e abusos que caracterizavam os relacionamentos desses personagens. O mistério central não é apenas “quem matou quem”, mas sim a teia de cumplicidade, violência e segredos inconfessáveis que permitiram que “pequenos e grandes monstros” prosperassem no seio da sociedade italiana da época.

➡️ ‘O Monstro de Florença’: a história real do serial killer da Itália
➡️ ‘A Diplomata’ (3ª temporada) e a arte da manipulação no palco global
➡️ ‘Românticos Anônimos’: um doce retrato da ansiedade e do amor

Crítica

A maior força e, por vezes, a maior dificuldade de O Monstro de Florença reside na sua estrutura narrativa. Sollima e Fasoli adotam um dispositivo próximo ao efeito Rashomon – a repetição de eventos-chave, sobretudo os crimes de 1968, através do olhar de diferentes narradores. Cada episódio é dedicado a um suspeito e reescreve micro-detalhes da cena e das interações, forçando o espectador a desconfiar da memória, do testemunho e da própria “verdade” judicial.

Essa técnica é funcional e eficaz para traduzir a frustração e o labirinto de incongruências que marcaram a investigação real do Monstro de Florença. A precisão documental, baseada em autos processuais, gera um diálogo “estranho” e não cinematográfico, conferindo à obra uma camada de autenticidade sombria. O custo dessa fidelidade formal é um envolvimento emocional a saltos, pois a ausência de um protagonista empático ou de uma progressão linear gera um sentido de rarefação, mas coerente com o tema do caso insolúvel.

➡️ Quer saber mais sobre filmes, séries e  streamings? Então acompanhe o trabalho do Flixlândia nas redes sociais pelo INSTAGRAMXTIKTOKYOUTUBEWHATSAPP, e GOOGLE NOTÍCIAS, e não perca nenhuma informação sobre o melhor do mundo do audiovisual.

Radiografia do patriarcado e a figura de Barbara Locci

A série utiliza a Pista Sarda não apenas como pista criminal, mas como pano de fundo sociológico. O foco se desloca do assassino misterioso para a gênese do mal em um contexto de extrema rigidez social e pobreza. A Itália de província, especialmente a comunidade sarda retratada, é um universo claustrofóbico e patriarcal, onde a humilhação é a norma e o pater familias detém poder absoluto sobre os destinos familiares. É um retrato implacável de uma sociedade que se modernizava nas grandes cidades, mas permanecia “ligada à pré-história” no interior.

Neste cenário, a série transforma Barbara Locci (Francesca Olia) no verdadeiro fio condutor da narrativa. Ela não é apenas a “vítima fundadora”, mas uma mulher desejante, contraditória e catalisadora das abjeções masculinas. A obra expõe a violência sistemática que a cerca – física, sexual e psicológica. Em um mundo que só lhe permitia ser “serva ou donnaccia” (serva ou vadia), Barbara é a fagulha que acende as paixões doentias e os rancores. A série, nesse sentido, opera uma poderosa denúncia sobre a violência de gênero, mostrando o feminicídio como um horizonte cultural e não apenas um evento criminal isolado. Olia entrega uma interpretação sofrida, mas cheia de orgulho, resistindo ao vitimismo mesmo diante da tragédia.

Netflix estreia chocante série de serial killer italiano conheça a história real de ‘O Monstro de Florença’ (2)
Foto: Netflix / Reprodução

Um elenco notável e a direção contida de Sollima

A minissérie se beneficia de um elenco notável, com atuações intensas e fora do circuito habitual. Valentino Mannias (Salvatore Vinci) destaca-se ao personificar a ambiguidade e o sadismo misógino do “sociopata” familiar, gerando um desconforto constante. Marco Bullitta também é eficaz ao capturar a tensão interna de Stefano Mele, dilacerado entre sua natureza e os afetos familiares.

Stefano Sollima, conhecido pela fúria cinética de Suburra e Gomorra, adota aqui uma regia mais contida e cerebral. A câmera é discreta, os movimentos são mínimos e a tensão nasce dos espaços vazios, dos silêncios e dos ambientes desolados – internos pobres, pátios de terra, paisagens rurais cinzentas. A fotografia é excelente, utilizando o aspecto degradado do cenário como uma declaração política.

Crucialmente, a série demonstra um respeito ético pelas vítimas. Os assassinatos são encenados com fidelidade aos autos, mas de uma distância formalmente correta. Sollima evita o voyeurismo e o detalhe mórbido, concentrando-se no impacto brutal e na desumanização. A cena do assassinato da jovem Antonella Minervini, por exemplo, é filmada com pudor e a mutilação é deixada off-screen, um gesto de ética da imagem que contrasta com a exploração de outros true crimes.

Conclusão

O Monstro de Florença é uma obra ambiciosa, tensa e formalmente coesa. Ao focar na Pista Sarda, a minissérie de Sollima e Fasoli consegue desviar da abordagem sensacionalista do caso, oferecendo uma nova chave de leitura. É um true crime que se desinteressa pela identidade do assassino para se concentrar no ambiente que o gestou.

A série é mais um teatro de versões e uma reflexão sobre a misoginia endêmica do que uma investigação policial. O preço de sua coerência e lucidez formal é um certo distanciamento emocional, que pode frustrar o espectador em busca do suspense do whodunit.

Contudo, para quem aceita o convite de habitar os margens do caso, de olhar para a origem do mal nas pequenas crueldades do cotidiano, a série se revela uma experiência hipnotizante e necessária. O verdadeiro valor de O Monstro de Florença não está em solucionar o mistério, mas em nos forçar a perguntar onde, em nossa sociedade, os “monstros” continuam a ser fabricados.

Onde assistir à série O Monstro de Florença (2025)?

A minissérie “O Monstro de Florença” está disponível para assistir na Netflix.

Veja o trailer da minissérie O Monstro de Florença

YouTube player

Quem está no elenco de O Monstro de Florença, da Netflix?

  • Marco Bullitta
  • Valentino Mannias
  • Francesca Olia
  • Liliana Bottone
  • Giacomo Fadda
  • Antonio Tintis
  • Giordano Mannu
Escrito por
Taynna Gripp

Formada em Letras e pós-graduada em Roteiro, tem na paixão pela escrita sua essência e trabalha isso falando sobre Literatura, Cinema e Esportes. Atual CEO do Flixlândia e redatora do site Ultraverso.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Procuram-se colaboradores
Procuram-se colaboradores

Últimas

Artigos relacionados
Dare You to Death resenha crítica série Netflix 2025 Flixlândia (1)
Críticas

[CRÍTICA] Início de ‘Dare You to Death’ é uma experiência de extremos

Para quem tem obsessão por doramas policiais, casos de assassinato e forense,...

Pluribus Episódio 8 resenha crítica da série Apple TV 2025 Flixlândia
Críticas

[CRÍTICA] Dormindo com o inimigo (literalmente) no episódio 8 de ‘Pluribus’

Eu realmente me surpreendi com essa. Carol (Rhea Seehorn) e Zosia (Karolina...

Emily em Paris 5 temporada resenha crítica da série Netflix 2025 Flixlândia
Críticas

[CRÍTICA] ‘Emily em Paris’: 5ª temporada traz o mesmo drama, agora com gelato e grifes

Sabe aquele conselho de “desligue o cérebro e se jogue”? Pois é,...

Jasmine resenha crítica da série turca HBO Max 2025 Flixlândia
Críticas

[CRÍTICA] ‘Jasmine’ causa polêmica na HBO Max: mas vale a pena assistir?

Sabe aquele ditado de que “falem bem ou falem mal, mas falem...

Fallout 2 temporada episódio 1 resenha crítica da série 2025 Prime Video Flixlândia
Críticas

[CRÍTICA] De volta ao refúgio: por que a estreia da 2ª temporada de ‘Fallout’ valeu a espera

Dezoito meses. Esse foi o tempo que tivemos que esperar para voltar...

It Bem-Vindos a Derry Episódio 8 resenha crítica da série HBO 2025 Flixlândia (1)
Críticas

[CRÍTICA] ‘It: Bem-Vindos a Derry’ traz um final épico, mas cheio de furos

Chegamos ao fim da primeira temporada de It: Bem-Vindos a Derry com...

Ilhados com a Sogra temporada 3 resenha crítica do reality show da Netflix 2025 Flixlândia
Críticas

[CRÍTICA] ‘Ilhados com a Sogra 3’: a temporada do ‘pedido de desculpas’ que não economizou no barraco

A terceira temporada de Ilhados com a Sogra aterrissou na Netflix provando...