Recém-chegado à Netflix, “Rainha do Carvão” (Miss Carbón), novo drama dirigido por Agustina Macri, acompanha a trajetória de Carlita, uma adolescente trans na Patagônia argentina que sonha em trabalhar em uma mina de carvão — um desejo que antecede, em sua própria narrativa, o entendimento de sua identidade de gênero.
Inspirado em eventos reais e parcialmente filmado em Río Turbio, o longa articula dois movimentos simultâneos de amadurecimento: o de tornar-se mulher e o de conquistar um lugar em um espaço historicamente hostil a corpos dissidentes.
Logo nos primeiros minutos, o filme deixa claro que não se trata apenas de uma história sobre identidade de gênero, mas também sobre pertencimento social e herança coletiva. Naquela cidade isolada, a mina não é demonstrada como um simples local de trabalho, mas como um eixo estruturante da vida, da masculinidade e da economia local. Sonhar em descer ao subsolo é, para Carlita, sonhar em existir plenamente naquele mundo.
Sinopse
Carlita (Lux Pascal) cresce cercada por homens que vivem — e muitas vezes morrem — em função da mina de carvão. Desde criança, ela se imagina ocupando aquele espaço proibido, não como provocação ou desafio político, mas como vocação genuína. Ao mesmo tempo, enfrenta o processo íntimo e silencioso de reconhecer-se como mulher trans em um ambiente marcado por tradições rígidas, religiosidade conservadora e superstições profundamente enraizadas.
Paradoxalmente, Carlita possui uma vantagem provisória: seus documentos ainda a registram como homem, o que, em tese, permitiria sua entrada na mina. Porém, a prática se mostra mais cruel do que a burocracia. Mulheres são consideradas azar no subsolo, uma crença forte o suficiente para justificar exclusão, violência simbólica e silêncio cúmplice.
Afastada da família, Carlita encontra acolhimento em espaços improváveis: na amizade leal de uma colega e, principalmente, nas mulheres trans que comandam a boate local. Nesse ambiente marginalizado, mas paradoxalmente poderoso, o filme revela a relação ambígua entre os mineiros e aquelas mulheres — uma convivência sustentada por hipocrisia social, desejo reprimido e dependência mútua.
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Resenha crítica do filme Rainha do Carvão
Agustina Macri constrói Rainha do Carvão como um drama de observação, marcado por silêncios, gestos contidos e uma progressão emocional deliberadamente lenta. O ritmo é contemplativo, por vezes excessivamente solene, o que faz com que o conflito central — a entrada de Carlita na mina — demore a se impor com força dramática. Essa escolha enfraquece a estrutura narrativa, criando a sensação de que o filme hesita em avançar, mesmo quando seus temas já estão bem estabelecidos.
Ainda assim, há uma coerência interna admirável. A direção evita o sensacionalismo e nunca transforma Carlita em símbolo abstrato. Interpretada com contenção e firmeza por Lux Pascal, a personagem não pede permissão para existir nem se explica ao espectador. Sua força está justamente na recusa ao discurso fácil: ela sabe quem é e o que quer, mesmo quando o mundo insiste em negar ambas as coisas.

Fotografia como grande trunfo
Visualmente, o filme é um de seus maiores trunfos. A fotografia é densa, granulada e sombria, capturando a beleza áspera da Patagônia e transformando a paisagem em extensão do estado emocional da protagonista. A mina, sempre envolta em escuridão, funciona como metáfora óbvia, mas eficaz: um espaço de exclusão, perigo e desejo, onde identidade e sobrevivência se chocam.
O roteiro, assinado por Erika Halvorsen e Mara Pescio, acerta ao inserir a narrativa no contexto da Lei de Identidade de Gênero argentina. No entanto, essa dimensão política nem sempre se integra organicamente à trama. Em alguns momentos, os comentários sobre gênero e masculinidade no ambiente da mina se aproximam da caricatura, enfraquecendo a sutileza que o filme demonstra em outras passagens. Há uma tensão constante entre o desejo de denunciar e a necessidade de contar uma história — e nem sempre esse equilíbrio se sustenta.
Estrutura irregular
Quando permite respirar, o filme encontra seus melhores momentos. Há leveza pontual, pequenas cenas de afeto e até um discreto flerte romântico, reforçado pela participação de Paco León, que ampliam o espectro emocional da obra e impedem que ela se torne excessivamente pesada.
A estrutura irregular é o principal problema do filme. O atraso no estabelecimento do conflito central compromete o impacto dramático e faz com que algumas sequências pareçam reiterativas. Além disso, certas decisões narrativas parecem mais simbólicas do que funcionais, existindo mais como comentário social do que como necessidade dramática.
Apesar disso, Rainha do Carvão nunca soa vazio. Mesmo quando tropeça, mantém uma integridade rara: escuta seus personagens, respeita seu espaço e confia no silêncio tanto quanto no diálogo.
Conclusão
Veredito final: vale a pena assistir? Sim. Rainha do Carvão vale a pena, especialmente para quem aprecia dramas intimistas, socialmente conscientes e visualmente fortes. Não é um filme fácil, nem particularmente fluido, e exige paciência do espectador. Sua narrativa irregular e seu tom solene podem afastar quem busca uma experiência mais dinâmica.
Ainda assim, é uma obra honesta, sensível e necessária. Mais do que uma história de empoderamento, é um retrato de vidas à margem, de desejos que não se encaixam e de uma identidade forjada entre a escuridão da mina e a luz frágil da autoafirmação. Um filme que não grita, mas permanece.
Onde assistir ao filme Rainha do Carvão?
Trailer de Rainha do Carvão (2025)
Elenco de Rainha do Carvão, da Netflix
- Lux Pascal
- Laura Grandinetti
- Romina Escobar
- Simone Mercado
- Federico Marzullo
- Gabriela Pastor
- Agostina Innella
- José Román
- Paco León















