‘Blitz’, quando até os diretores mais talentosos tropeçam
Wilson Spiler26/11/20243 Mins de Leitura6 Visualizações
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Steve McQueen, conhecido por sua ousadia cinematográfica em filmes como 12 Anos de Escravidão e Shame, retorna em 2024 com “Blitz“, um filme que revisita a Segunda Guerra Mundial com uma perspectiva ao mesmo tempo épica e intimista.
No centro da trama está George, um menino de nove anos que desafia o caos da guerra para reencontrar sua mãe. Embora repleto de intenções nobres e um elenco de peso liderado por Saoirse Ronan, o filme parece hesitar entre a profundidade autoral e os clichês do cinema de guerra.
Em 1940, durante o auge dos bombardeios em Londres, Rita (Saoirse Ronan) decide evacuar seu filho George (Elliott Heffernan) para protegê-lo dos horrores da guerra. Entretanto, o destemido garoto abandona o trem destinado ao interior e inicia uma perigosa jornada de volta à cidade para reencontrar sua mãe e seu avô, Gerald (Paul Weller).
Paralelamente, Rita enfrenta suas próprias batalhas, equilibrando o trabalho em uma fábrica de munições, os desafios de ser uma mãe solteira e a constante ameaça que ronda sua família. Em sua aventura, George cruza com figuras variadas, desde um policial compassivo até ladrões oportunistas, em um cenário devastado onde a solidariedade e a crueldade se misturam.
“Blitz” representa um esforço notável de McQueen em revisitar o imaginário da Segunda Guerra Mundial, buscando ir além dos estereótipos heroicos frequentemente associados a esse período. O filme destaca não apenas a resistência britânica, mas também as desigualdades e tensões raciais que permeavam a sociedade, mesmo em tempos de solidariedade proclamada. A escolha de um protagonista birracial é um gesto importante para expandir a narrativa patriótica convencional, mas a execução, infelizmente, deixa a desejar.
Elliott Heffernan impressiona como George, trazendo vulnerabilidade e determinação ao papel. No entanto, o roteiro não desenvolve de maneira consistente a jornada do personagem, optando por uma narrativa episódica que frequentemente perde ritmo. Enquanto as passagens mais sombrias – como o encontro de George com ladrões liderados por Stephen Graham e Kathy Burke – oferecem momentos de tensão genuína, outras cenas carecem de impacto emocional ou coesão temática.
Saoirse Ronan, sempre uma presença marcante, entrega uma atuação sólida como Rita, mas seu arco parece subaproveitado, oscilando entre o drama pessoal e a função de preencher lacunas na trama principal. Da mesma forma, os elementos visuais, apesar de competentes, não exploram plenamente o potencial de uma Londres devastada pela guerra, resultando em uma ambientação que parece artificial em alguns momentos.
A trilha sonora de Hans Zimmer é, como esperado, um dos pontos altos do filme, evocando tanto o terror quanto a resiliência daquele período. Contudo, nem mesmo a música consegue sustentar as lacunas deixadas por uma direção que aparenta estar dividida entre a nostalgia e o desejo de inovação. Ao abordar temas como racismo e exclusão social, McQueen toca em questões relevantes, mas muitas vezes de maneira superficial, quase didática.
“Blitz” é um filme que busca unir o intimismo de uma jornada pessoal à grandiosidade do cenário histórico. Embora carregado de boas intenções e momentos pontuais de brilhantismo, o longa acaba se perdendo em escolhas narrativas que comprometem sua força emocional.
Para os fãs de Steve McQueen, é uma experiência interessante, mas distante do impacto de suas obras anteriores. No fim, “Blitz” lembra que até mesmo os diretores mais talentosos podem tropeçar ao tentar equilibrar ambição artística com acessibilidade comercial.
Formado em Design Gráfico, Pós-graduado em Jornalismo e especializado em Jornalismo Cultural, com passagens por grandes redações como TV Globo, Globonews, SRZD e Ultraverso.