Corrupção com causa? O dilema ético de dois detetives em ‘Dinheiro Sujo’
Taynna Gripp20/05/20253 Mins de Leitura18 Visualizações
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Na tênue linha entre o certo e o errado, “Dinheiro Sujo” desafia o espectador a escolher lados em um mundo onde todos são, de alguma forma, culpados. O thriller policial sul-coreano marca a estreia na direção de Kim Min-soo e apresenta uma narrativa repleta de dilemas morais, lealdades comprometidas e reviravoltas brutais.
Com uma estética modesta e um roteiro afiado, o filme coloca dois detetives corruptos contra o próprio sistema que deveriam defender — e contra si mesmos.
Myung-deuk (Jung Woo) e Dong-hyeok (Kim Dae-myung) são dois policiais tão acostumados a operar nas margens da legalidade quanto a conviver com a impunidade.
Recebendo propinas de uma gangue chinesa que lava dinheiro na Coreia do Sul, eles tentam sobreviver em meio a dramas pessoais: uma filha doente que precisa de cirurgia e uma dívida de jogo que cresce como um câncer. Quando descobrem que a organização criminosa está prestes a enviar milhões de dólares de volta à China, decidem interceptar o carregamento.
O plano, no entanto, rapidamente desanda. Um policial é morto, um agente infiltrado é acidentalmente executado, e o dinheiro maldito acaba nas mãos erradas. Como se não bastasse, os próprios protagonistas são encarregados de investigar o crime que cometeram, enquanto a pressão de antigos rivais, colegas desconfiados e criminosos vingativos só aumenta.
O que torna “Dinheiro Sujo” uma experiência impactante não é sua originalidade — afinal, histórias sobre policiais corruptos não são novidade —, mas a forma como o roteiro mergulha fundo nas motivações humanas por trás da corrupção.
Kim Min-soo constrói uma narrativa onde as justificativas pessoais dos protagonistas, ainda que condenáveis, soam dolorosamente compreensíveis. Myung-deuk rouba para salvar sua filha, Dong-hyeok frauda o sistema para escapar da ruína. Nenhum deles é herói, mas ambos são profundamente humanos.
Atuações sólidas, mesmo sem grandes estrelas
Jung Woo e Kim Dae-myung entregam atuações contidas, mas eficazes. Woo, com sua expressão permanentemente fatigada, traduz bem o desespero silencioso de um pai encurralado. Já Dae-myung é o contraponto emocional, hesitante e vulnerável, mas ainda cúmplice.
A química entre os dois é convincente, embora falte carisma para elevar os personagens a um patamar mais marcante. Park Byeong-eun, como o detetive Seung-chan, aparece como uma figura de antagonismo promissor, mas sua narrativa carece de desenvolvimento suficiente para deixar uma marca.
Entre o realismo seco e a tensão crescente
Apesar da produção modesta, o filme acerta ao manter o foco na tensão dramática e nas consequências psicológicas do crime. As cenas de ação são cruas e diretas, sem floreios estilísticos.
Há sangue, sim, mas sempre a serviço da trama — embora, em alguns momentos, a escolha de suavizar a violência possa frustrar parte do público. A montagem é eficiente, e mesmo com ritmo irregular — alternando passagens lentas com momentos de explosão —, o longa nunca se arrasta.
Um mundo onde todos traem — e todos pagam
Ao longo da narrativa, o espectador é confrontado com traições inevitáveis, perdas irreversíveis e escolhas que cobram um preço alto demais. O roteiro se destaca por costurar bem pequenos detalhes apresentados no início, que mais tarde retornam como peças-chave da trama.
Isso dá ao filme uma sensação de completude, ainda que o desfecho divida opiniões: para alguns, melancólico e coerente; para outros, anticlimático. O certo é que ninguém sai ileso — nem os personagens, nem o público.
“Dinheiro Sujo” não revoluciona o gênero, mas oferece uma narrativa eficaz, com tensão crescente, personagens moralmente complexos e reflexões pertinentes sobre corrupção, lealdade e desespero.
A falta de apelo visual marcante e o elenco sem grandes nomes podem ofuscar seu alcance internacional, mas para quem busca um thriller sombrio, que coloca o espectador no desconfortável papel de cúmplice emocional, o filme é uma aposta certeira.
Formada em Letras e pós-graduada em Roteiro, tem na paixão pela escrita sua essência e trabalha isso falando sobre Literatura, Cinema e Esportes. Atual CEO do Flixlândia e redatora do site Ultraverso.