‘Peça-me o que Quiser’, uma fantasia erótica que esqueceu do desejo
Taynna Gripp19/05/20254 Mins de Leitura27 Visualizações
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Baseado na obra best-seller de Megan Maxwell, o filme espanhol “Peça-me o que Quiser” chega às telas da Max com a ambição de unir erotismo e romance em um formato visualmente sofisticado.
Com direção de Lucía Alemany, conhecida por obras mais sensíveis e delicadas como La inocencia, a expectativa era de uma narrativa provocadora, mas também emocionalmente complexa.
No entanto, o que se apresenta é uma produção irregular, desequilibrada entre a estética polida e um roteiro raso, que confunde sensualidade com automatismo e acaba esvaziando qualquer potência dramática ou simbólica.
Judith Flores (Gabriela Andrada) é uma jovem comum que cruza o caminho de Eric Zimmerman (Mario Ermito), um milionário que a convida a mergulhar em um universo de jogos sexuais, dominação e prazer. A trama segue o clichê do erotismo soft europeu, em que uma mulher inexperiente se rende aos encantos de um homem poderoso e misterioso.
O filme acompanha os altos e baixos da relação entre os dois, marcada por cenas de sexo estilizadas e tensões emocionais mal resolvidas, tudo isso embalado por uma direção de fotografia elegante e uma trilha sonora pop e envolvente.
“Peça-me o que Quiser” tenta capturar o espectador pelo visual: há cuidado nos enquadramentos, na iluminação e até na trilha sonora. Porém, essa elegância formal entra em colisão direta com um conteúdo esvaziado, que pouco dialoga com as complexidades do desejo, da entrega ou do afeto.
O erotismo, em vez de ser instrumento de descoberta ou provocação, torna-se mecânico — uma repetição de cenas que mais sugerem um ensaio publicitário do que uma narrativa viva. O toque de “sofisticação” estética, nesse caso, é apenas maquiagem sobre um roteiro sem profundidade.
Personagens planos, química inexistente
O maior pecado do filme talvez esteja na sua incapacidade de construir qualquer vínculo crível entre os protagonistas. Gabriela Andrada até tenta dar dimensão à sua personagem, mas esbarra em um texto que não lhe oferece margem para transformação ou agência real.
Judith passa de espectadora passiva a marionete de um desejo alheio, sempre à sombra das vontades de Eric — interpretado por Mario Ermito com uma expressão permanentemente entediada. A química entre os dois é praticamente nula, o que mina não só o envolvimento emocional do público, mas também o apelo erótico da história. Curiosamente, a breve aparição de Betta é mais convincente em criar tensão do que as quase duas horas do casal principal.
Desejo como domínio: um retrocesso narrativo
Em tempos em que a representação da sexualidade no cinema exige responsabilidade e nuance, “Peça-me o que Quiser” parece um retrocesso. A narrativa se ancora em uma lógica ultrapassada de dominação masculina travestida de sedução, onde o prazer feminino é sempre condicionado ao desejo e ao controle do homem.
O roteiro flerta com o misógino ao tratar o corpo da protagonista como um instrumento a ser moldado por traumas alheios que nunca se aprofundam. Ao invés de empoderamento, há submissão disfarçada de fantasia.
Entre fetiche e desperdício
Ainda que o filme busque flertar com o universo de 50 Tons de Cinza e até evoque a estética de Nove Semanas e Meia de Amor, falta-lhe coragem para ousar de fato. Não há tensão, não há risco, não há provocação.
O que se vê é um desfile de cenas que beiram o pastiche, com personagens que mais parecem posar para uma capa de revista do que viver experiências íntimas. Tudo é plástico, previsível, desprovido de alma — uma sucessão de poses sensuais que não excitam, apenas cansam.
Um desperdício artístico e financeiro
É quase inacreditável que um filme tão raso tenha sido financiado com verba pública vultosa. Com um orçamento superior a 5 milhões de euros, “Peça-me o que Quiser” não demonstra nenhuma ambição criativa compatível com o investimento.
A direção de Alemany, que antes mostrava sensibilidade, parece aqui travada entre a tentativa de agradar aos fãs da obra original e o receio de provocar desconforto no público mais conservador. O resultado é um meio-termo insosso, que não agrada nem ao espectador exigente, nem ao fã do erotismo mais explícito.
“Peça-me o que Quiser” é um filme que promete transgressão, mas entrega apenas estagnação. Sua estética cuidada não compensa o vazio emocional, os personagens sem carisma e a ausência de uma trama minimamente envolvente.
Em vez de provocar, o filme acomoda-se em fórmulas gastas, tratando o erotismo como fetiche domesticado e a mulher como objeto narrativo. Para uma história que poderia explorar com liberdade os caminhos do prazer e da descoberta, resta apenas a frustração de um espetáculo belo, mas inócuo. Que, se houver uma continuação, ela venha com mais coragem, mais profundidade e menos verniz.
Formada em Letras e pós-graduada em Roteiro, tem na paixão pela escrita sua essência e trabalha isso falando sobre Literatura, Cinema e Esportes. Atual CEO do Flixlândia e redatora do site Ultraverso.