‘Para Sempre’: um amor adolescente que transcende o tempo, a pele e o lugar
Taynna Gripp08/05/20254 Mins de Leitura24 Visualizações
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Histórias sobre o primeiro amor nunca saem de moda. Elas se renovam a cada geração, com novos cenários, novos dilemas e novas formas de se apaixonar. Mas, apesar de sua universalidade, nem todas essas histórias ganham o mesmo espaço ou tratamento — especialmente quando os protagonistas são jovens negros. É nesse contexto que surge “Para Sempre” (Forever), série da Netflix inspirada livremente no romance clássico de Judy Blume, publicado em 1975.
Sob a condução da roteirista e produtora Mara Brock Akil (Girlfriends, Sendo Mary Jane), a série se propõe a reimaginar o amor adolescente com autenticidade, frescor e uma representatividade rara na televisão contemporânea.
Ambientada em Los Angeles no ano de 2018, a trama acompanha Keisha (Lovie Simone) e Justin (Michael Cooper Jr.), dois adolescentes negros em seus anos finais do ensino médio que vivem o turbilhão do primeiro amor.
Keisha é uma atleta brilhante, determinada a conquistar uma bolsa de estudos para a Howard University. Justin, por sua vez, é um jogador de basquete tentando equilibrar seus sonhos, a pressão familiar e o diagnóstico de TDAH.
Um reencontro inesperado em uma festa de Ano Novo reacende entre eles uma química avassaladora que mudará suas vidas para sempre — em meio a pressões sociais, expectativas familiares e descobertas íntimas.
Diferente de adaptações convencionais, “Para Sempre” não busca apenas transpor a obra de Judy Blume para a tela. A criadora Mara Brock Akil opta por se inspirar no espírito da obra — sua franqueza emocional, o respeito pelas experiências adolescentes e a centralidade do amor como força transformadora —, adaptando-a para uma realidade contemporânea e, principalmente, para uma vivência negra raramente retratada com tanta ternura na televisão.
Um dos grandes méritos da série está em apresentar um romance negro que não nasce do trauma, mas da descoberta, da vulnerabilidade e da beleza cotidiana. Keisha e Justin não são estereótipos: são jovens complexos, cheios de sonhos, contradições e desejos.
A narrativa não evita os desafios que os cercam, mas também não os define por isso. Assim como em Moonlight ou Além dos Limites, há espaço para o afeto, para a leveza e até para o humor, o que torna Para Sempre uma exceção bem-vinda no panorama audiovisual atual.
Atuação magnética e personagens multifacetados
Lovie Simone e Michael Cooper Jr. exibem uma química magnética em tela, equilibrando com maestria a ingenuidade do primeiro amor com a intensidade dos conflitos internos. Enquanto Keisha é movida por disciplina e ambição, Justin vive um dilema entre as expectativas dos pais e seus próprios sonhos ainda não descobertos.
A atuação de Wood Harris como Eric, pai de Justin, merece destaque: seu equilíbrio entre firmeza e ternura quebra estigmas sobre paternidade negra com rara sensibilidade.
As mães também ganham espaço significativo. Dawn (Karen Pittman), protetora ao extremo, e Shelly (Xosha Roquemore), dividida entre amizade e autoridade, representam as complexas dinâmicas familiares que moldam a trajetória dos protagonistas. A série acerta ao dar profundidade a esses adultos, sem apagá-los nem idealizá-los.
Uma estética cuidadosa e moderna
A ambientação em Los Angeles de 2018 é mais do que um pano de fundo: é parte essencial da identidade da série. Com direção de Regina King no episódio de estreia, a produção abraça uma estética urbana vibrante, com fotografia que valoriza os tons de pele negra, figurinos que refletem a individualidade dos personagens e uma trilha sonora impecável — com Frank Ocean, SZA e Snoh Aalegra — que captura o espírito da juventude contemporânea.
Contudo, ainda que os oito episódios tragam profundidade aos personagens, a série por vezes se estende além do necessário. O ciclo repetitivo de términos e reconciliações entre Keisha e Justin pode enfraquecer o impacto emocional de algumas cenas. O espectador, em certos momentos, sente mais o desgaste da separação do que o encantamento da união — um desequilíbrio que prejudica a construção da intimidade ao longo da série.
Outro ponto que poderia ter sido mais explorado é o círculo social dos protagonistas. Fora Darius (Niles Fitch) e a melhor amiga de Keisha (Ali Gallo), pouco se vê da vida social desses jovens, o que empobrece a representação de suas juventudes em coletivo.
“Para Sempre” é uma joia rara: uma história de amor adolescente entre dois jovens negros contada com respeito, nuance e profundidade emocional. Ao atualizar o clássico de Judy Blume com olhar contemporâneo, Mara Brock Akil oferece à nova geração uma narrativa sensível, bela e politicamente importante — que entende que o amor, quando contado de forma verdadeira, é sempre universal.
Mesmo com pequenos tropeços em ritmo e estrutura, a série emociona, encanta e marca. Não apenas por sua estética refinada ou atuações envolventes, mas porque ousa mostrar que histórias de amor negro merecem existir em plenitude — com falhas, com ternura, com desejo e, sobretudo, com dignidade.
Formada em Letras e pós-graduada em Roteiro, tem na paixão pela escrita sua essência e trabalha isso falando sobre Literatura, Cinema e Esportes. Atual CEO do Flixlândia e redatora do site Ultraverso.