Depois da Caçada, com Julia Roberts, traz a verdade que caminha na penumbra

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Luca Guadagnino nunca se contentou com respostas fáceis e talvez, por isso, sua obra mais cheia de filosofia pareça ser a com assinatura mais presente do diretor. Em ‘Depois da Caçada’, o diretor italiano mergulha em um terreno incômodo: o da moralidade contemporânea, onde verdades, narrativas e reputações se entrelaçam em um jogo de poder. Ambientado no meio acadêmico de Yale, o longa discute ética, gênero e percepção com a precisão cirúrgica de quem sabe que o olhar do público é, ele próprio, parte da armadilha.

Com ecos de ‘Rivais’ (2024) e ‘Suspiria’ (2018), Guadagnino usa a superfície como campo de batalha. Aqui, a forma é o discurso, a câmera observa, julga e trai. A cada movimento, o espectador é convidado a desconfiar não apenas dos personagens, mas de si mesmo em um emaranhado que usa o cenário perfeitamente para emoldurar os dilemas e lados que os personagens e até mesmo o espectador toma para si. É um cinema que se recusa a confortar: provoca, desafia e deixa o público à deriva entre o racional e o instintivo. Afinal, o papel da arte não é, exatamente, causar desconforto?

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Sinopse

A trama acompanha Alma Olsson (Julia Roberts), uma professora de filosofia prestes a alcançar a titularidade acadêmica na renomada universidade de Yale. Respeitada, metódica e conhecida por suas aulas sobre ética, ela vê seu universo ruir quando sua aluna mais brilhante e pupila pessoal, Maggie (Ayo Edebiri), acusa o professor Hank (Andrew Garfield), colega e amigo íntimo de Alma, de assédio sexual. A denúncia rompe o equilíbrio frágil do campus e transforma a rotina intelectual em um campo de caça.

Mas ‘Depois da Caçada’ não é um thriller judicial nem um drama sobre vítimas e vilões. Guadagnino prefere o terreno pantanoso das percepções: cada depoimento é uma fenda, cada silêncio, um abismo, cada passo em busca da verdade pode ser uma dança dissimulada em frente a um véu. Alma torna-se mediadora e prisioneira dessa crise, dividida entre a lealdade e o dever moral. O resultado é uma espiral de dúvidas, onde o público nunca sabe ao certo quem fala a verdade, ou se a verdade ainda importa.

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Crítica

A estética de ‘Depois da Caçada’ reflete a própria confusão moral que retrata. A fotografia de Malik Hassan Sayeed é primorosa e merece uma indicação ao Oscar no próximo ano, envolvendo os personagens em sombras, como se a luz fosse privilégio e não direito. Guadagnino constrói planos que fragmentam os rostos: olhos isolados, bocas cortadas, gestos interrompidos, sugerindo que a verdade está sempre fora do quadro, se é que ela existe. A câmera não observa, ela interroga. O filme é inteiro um abraço ao anseio de buscar algo que se está bem próximo de atingir, mas ao mesmo tempo, extremamente distante.

Esse olhar inquisitivo transforma o espectador em cúmplice do julgamento. A cada cena, somos forçados a decidir se acreditamos no que vemos, mesmo quando o filme insiste que ver é insuficiente. É um exercício de percepção e culpa, que ecoa a questão levantada pelo marido de Alma: o que virá depois da caçada? Com Guadagnino, todos caçam e são caçados, inclusive nós, e a tal esperada titularidade que Alma e Hank buscam, deixa de ser o foco.

A montagem alterna entre o caos e a contemplação. Há cenas que parecem se estender até o desconforto total, seguidas de cortes abruptos que quebram o ritmo e obrigam o espectador a respirar. O ‘depois’ do título é, portanto, também uma questão de ritmo: o filme se constrói nos intervalos, nas pausas, no vazio entre ação e reflexão. É ali que mora o verdadeiro incômodo e, talvez, a verdade.

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Filosofia em Carne Viva

O roteiro de Nora Garrett (em seu primeiro trabalho no cinema) aposta em diálogos filosóficos que oscilam entre a lucidez e a ironia. Discussões sobre moral kantiana, Nietzsche e cancelamento digital se misturam a silêncios desconfortáveis, criando um retrato quase cruel da academia: um espaço que pensa sobre ética, mas raramente a pratica. É um texto que expõe a fragilidade do discurso quando confrontado pela emoção e pelo instinto.

Julia Roberts entrega uma de suas atuações mais complexas. Sua Alma é ao mesmo tempo empática e egoísta, corajosa e covarde. Roberts usa o silêncio como arma, cada pausa parece esconder um crime e cada palavra sai com a potência de alguém que sabe muito bem o que está dizendo. Andrew Garfield constrói Hank com doçura perigosa; um homem que acredita ser incompreendido, mas que domina o poder de manipular. Já Ayo Edebiri brilha ao encarnar Maggie como um enigma: ora frágil, ora estratégica, nunca previsível, de uma cena entre ela e Julia nasce o ápice do longa.

Conclusão

‘Depois da Caçada’ é um espelho estilhaçado da contemporaneidade. Guadagnino não entrega respostas nem pretende fazê-lo; prefere observar o colapso das certezas, mostrando que o julgamento moral, social e estético é sempre contaminado por um ponto de vista. É um filme que se alimenta da dúvida e a transforma em arte, um manifesto sobre a impossibilidade de enxergar o todo.

Desigual e hipnótico, o longa reafirma o poder de Guadagnino de provocar desconforto e reflexão. ‘Depois da Caçada’ não quer convencer, mas ferir e, talvez seja exatamente por isso que é um dos filmes mais urgentes e necessários do ano. No fim, resta apenas a pergunta que ecoa após os créditos: qual o gosto da caça após o deleite da caçada?

Onde assistir ao filme Depois da Caçada?

O filme está disponível nos cinemas.

Quem está no elenco de Caramelo (2025)?

  • Julia Roberts
  • Andrew Garfield
  • Ayo Edibiri
  • Michael Stuhlbarg
  • Chloë Sevigny
  • Lio Mehiel
  • Noemia Oliveira
  • David Leiber
  • Thaddea Graham
  • Will Price
  • Christine Dye


Escrito por
Taynna Gripp

Formada em Letras e pós-graduada em Roteiro, tem na paixão pela escrita sua essência e trabalha isso falando sobre Literatura, Cinema e Esportes. Atual CEO do Flixlândia e redatora do site Ultraverso.

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